A divulgação da primeira lista de fundos de investimento sustentáveis (IS) gerou polêmica no mercado.
O grupo responsável pela discussão sobre sustentabilidade na Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mais uma vez dialoga com o mercado para aperfeiçoar a regra encarregada por identificar esses fundos.
As regras foram pensadas para traduzir com mais clareza a situação dos fundos que investem com base na Agenda ESG. No entanto, neste primeiro momento, o efeito pode ter sido contrário.
A criação de um terceiro tipo de fundo é uma das alternativas que estão sendo estudadas, incorporando mais profundamente os critérios ESG (chamados de “deep green” no exterior).
A norma surgiu da preocupação da Anbima de evitar o greenwashing. Os gestores tiveram o primeiro semestre para se adequar. Era permitido que seus fundos fossem considerados IS (utilizando esse sufixo depois do nome do fundo) ou que pudessem usar o termo “esse fundo integra questões ASG em sua gestão” no material de venda.
A primeira lista divulgada traz 22 produtos, sendo 17 IS e cinco “integração ASG”. Por ora, aproximadamente 40 outros fundos estão submetidos a análises sem data para divulgação de uma segunda lista.
O CEO da Nint, Gustavo Pimentel, considera que “a norma era ótima, mas a sua execução foi falha”. Ele teme que a credibilidade desse mercado saia arranhada, que os gestores que fazem trabalhos profundos com o ESG percam o seu diferencial e que o restante fiquem sem motivação em aprimorar.
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Ainda, Pimentel acredita que muitos dos fundos enquadrados como IS não evidenciaram que possuíam esse objetivo. A maioria dos fundos foi considerada como IS (que possuem critérios mais firmes) e a minoria foi identificada como “integração ASG”. Em sua opinião, ele considera que o contrário deveria ter ocorrido.
Cacá Takahashi, coordenador do grupo consultivo de sustentabilidade da Anbima, afirma que “neste primeiro momento, esperávamos o cadastro de um número maior de fundos que integram as questões ESG em seu processo de gestão na comparação com os fundos IS, que é um produto que apresenta riscos e oportunidades específicas e não deverá, a princípio, representar uma parcela muito significativa do total da indústria”
Na visão de Takahashi, ainda é cedo para tomar essa primeira leva como um retrato dos fundos sustentáveis, isso porque o mercado ainda está em processo de amadurecer o tema e, por enquanto, a regra abrange somente fundos de ações e de renda fixa.
Mas, existem também os fundos de ações hoje classificados como sustentabilidade/governança, que têm até janeiro de 2023 para migrar.
Ele considera que é cedo para tomar essa primeira leva como um retrato dos fundos sustentáveis porque o mercado ainda está amadurecendo o tema e porque, por enquanto, a regra abarca apenas os fundos de ações e de renda fixa. Mas há também os fundos de ações hoje classificados como sustentabilidade/governança, que têm até janeiro de 2023 para migrar para IS ou “integração ASG”.
Rebatendo as críticas de que a barra para um fundo ser considerado IS foi baixa, Takahashi fala que a autorregulação busca sempre subir a régua, ao mesmo tempo que atua de forma educativa para que as instituições compreendam as exigências. Ele diz que a Anbima continua disponível para diálogo e contribuições.
Os gestores estão se adaptando aos poucos e a situação pode mudar, invertendo a proporção. Na XP, que distribui fundos de terceiros, com 56 produtos do tipo, a grande maioria deverá ficar na caixinha “integração ASG”, informa Helena Massulo, líder de estratégia ESG.
O mesmo deve acontecer na Bradesco Asset Management, que espera que dez fundos identificados como IS, e que um número elevado se enquadre como “integração ASG”, segundo Rodrigo Santoro, líder de renda variável.
Ocorre que a regra menciona que os fundos IS devem ter como propósito o investimento sustentável, mas não foi prescritiva, não definiu percentuais e itens a serem observados, cabendo aos gestores incluí-los em um tipo ou outro. Massulo considera que “a definição de objetivo de investimento sustentável ficou muito ampla”.
A opção por uma regra de princípios se deu pelo estudo de várias regulações do mundo. Mesmo nos países mais adiantados no tema ESG, não há consenso.
A regra foi inspirada na União Europeia, que define duas categorias de fundos ligados à sustentabilidade: artigos 8 (“light green”) e 9 (“deep green”).
No Brasil, o mercado interpretou que os fundos dos artigos 8 e 9 equivaleriam aos tipos “integração ASG” e IS. Parte dos ruídos e das críticas pode ter se originado dessa interpretação errônea, considera Guilherme Bragança, sócio da JGP. “Não era objetivo fazer uma transposição da regra europeia para o Brasil”, afirma.
Por aqui não existe uma taxonomia de investimentos sustentáveis como na Europa, que classifica quais atividades econômicas podem ser assim consideradas, ele lembra. Embora a taxonomia também receba críticas, ela facilita a classificação dos fundos.
Porém, o mercado europeu está bem mais a frente que o brasileiro nesse quesito. Na avaliação de Luzia Hirata, gerente ESG da Santander Asset “não há como fazer equivalência completa ao sistema europeu porque nosso mercado está em outro estágio”.
Para ela, como as regras por lá são mais rígidas e no Brasil há menos ações na bolsa e ativos de renda fixa, quase nenhum fundo por aqui seria considerado IS.
Fonte: Valor Econômico