Crise Climática: impactos são maiores para grupos vulneráveis

Crise Climática: impactos são maiores para grupos vulneráveis
A crise climática se expandiu e já gerou em todo o mundo mais de 20 milhões de refugiados ambientais

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A COP 27 (Cúpula do Clima) acontecerá neste ano no Egito e está espremida entre dois eventos importantes para os brasileiros – as eleições gerais e a Copa do Mundo de futebol. Talvez, por isso, esteja passando despercebida.

A Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas de 2022 dará continuidade às ações de mitigação contra as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), acenando para acordos sobre o futuro do planeta, sendo que seus resultados podem, sim, impactar a adoção dos pilares ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) pelas corporações e a geração de valor para todas as partes envolvidas.

Como enfatiza o escritor de ficção científica norte-americano (cyberpunk) William Gibson, “o futuro já está aqui, apenas não está distribuído uniformemente”, ou seja, o futuro e seus avanços já chegaram para alguns, mas ainda excluem a maioria. O ESG pode ser uma ponte capaz de vencer níveis de desigualdades e mobilizar empresas e pessoas na luta para superar as lacunas sociais, econômicas, éticas e ambientais.

A crise climática, na verdade, impacta mais severamente os mais carentes, como já caracterizado nas precipitações intensas, inundações e deslizamentos de terra registrados neste ano no Rio de Janeiro (Petrópolis), em Pernambuco, Minas Gerais e na Bahia, que atingiram os moradores de encostas, áreas sujeitas às enchentes ou expostas a outros riscos climáticos.

Vale até parafrasear o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, para deixar bem claro: as mudanças climáticas são “como uma serpente, só mordem os pés descalços”. De acordo com o IBGE, 9,5 milhões de brasileiros vivem em áreas consideradas de risco em mais de 800 municípios.

O futuro excludente pode ser revertido por meio do ESG e do empoderamento dos grupos vulneráveis, uma vez que o impacto da crise climática geralmente é vinculado aos fatores socioeconômicos. Tanto que os mais atingidos são as mulheres, os indígenas e as crianças.

Para essas últimas, o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) criou o Índice de Risco Climático das Crianças[1], que mapeia os impactos que os estresses ambientais causam às crianças, expostas às vulnerabilidades físicas e fisiológicas. No índice, o Brasil está classificado como país de risco médio-alto.

Nessa escalada de crises, os critérios ESG podem ajudar a fomentar “o futuro que queremos”, título da declaração final da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente de Desenvolvimento de 2012 (Rio+20)[2], que está completando dez anos e expressa a questão do futuro, da sustentabilidade e das desigualdades distributivas a serem vencidas, enfatizando que todas as culturas e civilizações podem contribuir para o desenvolvimento sustentável.

Ao que tudo indica, o ESG não terá na COP 27 o mesmo protagonismo que teve na conferência do ano passado, em Glasgow (Escócia), quando contou com uma participação engajada e histórica dos investidores privados.

Incentivadora da participação do setor financeiro em soluções para a crise climática – com grande impacto sobre os critérios ESG adotados pelas empresas –, a BlackRock, maior gestora de investimentos do mundo, com US$ 9,6 trilhões de ativos, adotou neste ano uma posição mais cautelosa sobre como a comunidade financeira deve priorizar a questão climática diante de futuras estratégias de negócio.

O relatório do Bis (BlackRock Investment Stewardship)[3] justifica a necessidade de garantir a segurança energética depois dos conflitos da Ucrânia e Rússia e da crise de combustíveis e energia que a guerra gerou.

Durante os dois últimos anos, essa gestora de fundos gigantesca pregou o capitalismo de stakeholders ou das partes interessadas, os investimentos sustentáveis e a integração dos critérios ESG na gestão de fundos de investimento como forma de atingir resultados financeiros melhores e ajudar o planeta a vencer seu desafio climático e divisar um futuro mais sustentável, no qual será possível ter mais equidade, transparência e bem-estar.

Na COP 27, o futuro estará diretamente atrelado à transição energética para uma economia descarbonizada, considerada medida sine qua non para vencer a crise climática. Contudo, não se sabe com que urgência todos os países-parte farão sua transição diante da mudança do cenário internacional, em decorrência da guerra entre Ucrânia e Rússia, que mexeu com a produção, distribuição e custos da energia global.

O ritmo está mudando. Será mantido aquele que o planeta necessita e o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e as organizações – como o Climate Reality Project – recomendam: imediatamente. Ou aquele que os governos reconhecem como adequado ou possível? Na declaração da Rio+20, a urgência no combate à crise climática já estava registrada como sendo prioridade global imediata e urgente.

A consolidação de metas de financiamentos governamentais e privados mais ambiciosas, que incluam as questões sociais, também estão na agenda da COP 27. Não basta mais fazer o mínimo. A crise climática se expandiu e já gerou em todo o mundo mais de 20 milhões de refugiados ambientais, que foram deslocados por impactos climáticos adversos, que tornaram inviável o acesso à água, aos alimentos e à habitação, ou seja, à sobrevivência humana.

Até o momento, embora reconhecidos, esses refugiados do clima não são abrangidos pela Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, portanto, não possuem os mesmos direitos e status dos demais refugiados por perseguição política, conflitos armados, insegurança alimentar e discriminação étnico-racial, religiosa ou social.

Para escrever um futuro utópico ou distópico, a COP 27 terá dez dias temáticos (Finanças, Ciência, Juventude e Gerações, Descarbonização, Adaptação e Agricultura, Gênero, Águas Sociedade Civil, Energia, Biodiversidade e Soluções). Nesse novo esforço para criar um futuro mais resiliente ao clima, os chamados “atores-não parte” podem ajudar na promoção das metas do Acordo de Paris.

A conferência deste ano deve ser conhecida como a “COP da Implementação”, por ter grande parte de seu foco centrado no financiamento climático. Na Carta da Rio+20, já havia um apelo para que os países priorizassem o desenvolvimento sustentável na alocação de seus recursos.

A redução das emissões de GEE, que ocupou os holofotes na COP 26, vem sofrendo uma reversão e deve ser preocupação na COP 27. A Alemanha, por exemplo, reviu seu posicionamento e aprovou legislação de emergência para reativar suas usinas de carvão para ampliar o fornecimento energia elétrica.

Previstas para serem extintas em 2030, a volta de um combustível altamente poluente como o carvão pode comprometer as metas climáticas do país de atingir zero emissões líquidas até 2050. Seguindo igual tendência, o Japão, também anunciou que construirá usinas de carvão e reativará 17 usinas nucleares até o ano que vem, mesmo depois do acidente da usina Fukushima em 2011, que gerou protestos intensivos da população japonesa.

E, ao contrário das expectativas, o Parlamentou Europeu aprovou o plano da Comissão Europeia de incluir a energia nuclear e o gás natural na lista de energias ambientalmente sustentáveis, dentro da taxonomia verde da União Europeia, permitindo que sejam rotuladas como “green”.

Embora a energia nuclear não emita CO2, produz resíduos radioativos e o gás natural tem impactos ambientais negativos, que podem ser três vezes maiores que a biomassa. A decisão do Parlamento pode ser questionada judicialmente por países do bloco, como a Áustria, além de ONGs.

E, a despeito das incertezas trazidas pelas novas regras europeias, o Legislativo norte-americana deu uma guinada a favor do clima, que deve trazer novos ares para a COP 27, ao aprovar o maior investimento de sua história voltado a um programa ambiental, no valor de US$ 370 bilhões[4].

O projeto incentiva empréstimos para empresas e pessoas físicas investirem em fontes de energia limpa (eólica e solar). Os americanos terão, por exemplo um crédito fiscal de até US$ 7.500 para adquirir um carro elétrico e descontos de 30% para instalar painéis solares em suas casas.

As indústrias poluidoras receberão incentivos para se tornarem mais verdes. Tudo para ajudar a NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) norte-americana a reduzir as emissões de GEE doméstico.

Nesse sentido, o governo americano já tinha implantado o programa de retrofit energético para casas de baixa renda, financiando instalação de isolamento, atualização de sistemas de aquecimento e refrigeração, além de outras medidas positivas para o meio ambiente. Com esses “pacotes ambientais”, os Estados Unidos escrevem um futuro mais verde no presente.

O fato negativo nesse cenário otimista ficou por conta de decisão da Suprema Corte norte-americana que definiu que a Agência de Proteção Ambiental (EPA) não tem poder para limitar os emissores de dióxido de carbono, porque essa prerrogativa não foi concedida para a agência reguladora pelo Congresso, sendo que essa limitação vinha interferindo na redução das emissões das usinas de carvão em operação no país e recebendo duras críticas de muitos governadores.

Para moldar o “futuro que queremos” e distribuí-lo de forma equânime, a agenda ESG pode ser um caminho, ao apresentar o desafio da sustentabilidade, entendida em toda a polissemia do termo, envolvendo o ambiental, o econômico e o social.

Em suma, a preservação da vida humana, seu desenvolvimento e seu futuro, que terá de superar as desigualdades, erradicar a pobreza e a exclusão, além de encontrar meios e esforços para assegurar um legado positivo às futuras gerações. Esse conceito axiomático está presente no ESG, na Rio+20, no Acordo de Paris e na COP 27.


[1] Disponível em: https://www.corecommitments.unicef.org/kp/climate-crisis-is-child-rights-crisis.url

[2] Disponível em: https://riomais20sc.ufsc.br/files/2012/07/CNUDS-vers%C3%A3o-portugu%C3%AAs-COMIT%C3%8A-Pronto1.pdf

[3] Disponível em: https://www.blackrock.com/corporate/literature/publication/commentary-bis-approach-shareholder-proposals.pdf

[4] Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2022-07-28/here-s-what-s-in-democrats-370-billion-climate-spending-deal


YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
SANTAMARIA NOGUEIRA SILVEIRA – Jornalista, gerente de conteúdo da LBCA e Doutora em Comunicação Social pela USP.