Com tantas transformações no ambiente de negócios, a inovação tornou-se uma questão ainda mais decisiva para a sobrevivência das corporações. Ninguém questiona a importância da inovação para criar valor e melhorar a competitividade das organizações. Neste cenário, os pilares ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) ajudam a fomentar esta regra basilar e a percepção de que é necessário mudar.
Por que a inovação está tão ligada ao ESG? Há uma linha do tempo para explicar essa evolução. A visão econômica do conceito de inovação começou a ser aplicada a partir da década de 1930 e teve no filósofo Joseph Schumpeter seu grande teórico. Para Schumpeter, não há avanço e vantagem competitiva sem inovação, tornando-se crucial para todas as economias, especialmente para as emergentes, como o Brasil. Schumpeter traçou um liame de separação entre invenção e inovação, sendo que somente a última está vinculada ao desenvolvimento econômico, podendo ser aplicada em produtos, processos, serviços, avanços tecnológicos etc.
Inovação implica em criatividade, mudanças e disrupções. É estar aberto a uma nova cultura organizacional e às tendências de mercado. Enfim, tem a ver com a dinâmica do ESG. Ao melhorar um produto, as organizações atendem às demandas de seus públicos e reduzem o impacto negativo de seus processos; melhorando a qualidade dos seus produtos. Para Schumpeter, a inovação embute um processo dinâmico de “destruição criadora”.
Isso é quase a “tradução” das atividades e esforços ESG e acontece, por exemplo, quando um dos dez maiores players do mercado mundial de cosméticos e artigos de higiene pessoal troca 25% das embalagens de seus produtos pelo “plástico oceânico”, ou seja, lixo plástico que polui os mares. Ou da fabricante de notebooks e cartuchos de impressora que nos últimos oito anos usou em seus produtos o equivalente a 85 milhões de garrafas plásticas, também retiradas das águas dos oceanos. Vale lembrar que o Brasil é o quatro maior gerador de lixo plástico do mundo. Quase tudo que se adquire no mercado brasileiro vem dentro de uma “sacola plástica” e contribui para uma produção mundial de 500 bilhões de itens plásticos descartáveis por ano.
A mensuração de riscos e redução dos impactos negativos sobre questões ambientais, sociais e de governança em um negócio e as práticas que deverão ser adotadas para avançar na materialidade desses três pilares resultam nas inovações que podem ser introduzidas em uma organização. Nessa “destruição criadora”, onde novas soluções sucederão as que estão em curso, os stakeholders (clientes, investidores, funcionários, parceiros negociais, agências reguladoras etc.) podem assumir papeis fundamentais, sugerindo diferentes perspectivas e caminhos para onde seguir.
A inovação na aplicação dos fatores ESG também é importante em uma economia, na qual os padrões de benchmarks ainda são considerados incipientes para uma comparação entre uma empresa com outras de seu setor que apresentem melhores práticas. Dessa forma, fica difícil aprimorar operações, mensurar os pontos fortes, fracos e oportunidades (PFOA), visando um crescimento contínuo. Na esfera do ESG, a comparação de processos e práticas entre empresas semelhantes ainda não apresenta a devida musculatura, por isso a inovação ou a “destruição criadora” ganha ainda mais importância.
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Usar os requisitos ESG para impulsionar um programa de inovação dentro das empresas vem sendo uma tendência. Os pesquisadores Scott A. Snyder e Sanjay Macwan, da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, propuserem no artigo “The Missing Link Between ESG and Corporate Innovation”, publicado no ano passado, um processo de inovação para o ESG baseado em quatro eixos:
- i) Exploração, envolvendo o trabalho com propostas inovadoras de dentro e fora da organização para atingir melhorias radicais;
- ii) Avanço para avaliar oportunidades por meio de pessoas (comunidades), lucro (retorno financeiro) e benefícios para o planeta;
- iii) Conexão à medida que as inovações ESG trabalham de forma interveniente em ecossistemas/cadeia de valor, comunidades/partes interessadas, fornecedores/investidores;
- iv) Lançamento, uma vez que os autores entendem que os empreendimento ESG implicam em alto grau de risco para atingir o impacto desejado e propõem a adoção de uma startup enxuta de teste.
De acordo com o Manual de Oslo, publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e considerado a principal fonte internacional sobre padronização do conceito de inovação na indústria, propondo diretrizes para coleta e uso de dados sobre o fomento da inovação, um ponto fundamental é a transferência de conhecimento: “a visão da inovação em nível mais alto, ou sistêmica, enfatiza a importância da transferência e difusão de ideias, habilidades, conhecimentos, informações e sinais de vários tipos. Os canais e redes através dos quais essas informações circulam e estão inseridos em um contexto social, político e cultural”. Assim sendo, a difusão do conhecimento ESG dentro das organizações se torna fundamental para fomentar a capacidade inovadora e tem sua raiz nos stakeholders.
O compromisso envolvendo práticas sustentáveis traz em si o desafio de inovar. No fator ambiental do ESG, por exemplo, as metas para reduzir emissões de Gases de Efeito Estufa vão além das responsabilidades legais para evitar conflitos ambientais, cresce a busca por tecnologias de sequestro de carbono e emprego de energia limpa – eólica, solar, de hidrogênio verde – além do descarte correto de resíduos – no caminho da transição segura para uma economia de baixo carbono. Tudo isso somado implica em inovação na busca de um design de negócio mais sustentável, que precisa ter competência de entrega.
As soluções inovadoras e adaptadas ao ESG para gerar impactos sociais positivos também passam pela ideação. Uma empresa que atua de forma aberta e holística, observa a devida diligência em direitos humanos, fomentada pelos Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas. A Devida Diligência consiste em identificar riscos reais e potenciais sobre direitos humanos para seus trabalhadores e outras partes interessadas em suas operações e cadeias de abastecimento, estipulando ações mitigadoras e reparadoras, além de mudanças motivadas pela inovação. Nesse cenário, as empresas se tornam reconhecidamente mais confiáveis e terão mais atores empenhados em desenvolver soluções inovadoras, consolidando metas sustentáveis e progressos.
O economista e visionário Peter Drucker foi assertivo ao afirmar que a “inovação sempre significa um risco”, por isso saber gerir com eficácia os riscos ESG (ambiental, social e de governança) é o que separa as corporações que atingem à sustentabilidade de outras, uma vez que o ESG é considerado uma estratégia de gestão de riscos interligados. Por exemplo, à medida que uma comunidade, onde a corporação está sediada, é afetada por alterações climáticas, apresentará menor equidade social.
No fator da governança reside o fomento da visão estratégica de uma cultura ESG das empresas, centrada na inovação que impulsiona a estrutura da organização. O foco atuará como catalizador da transformação de uma gestão voltada à transparência, integridade ética, resiliência, adesão às regulamentações inovadoras, dar espaço para ajustes e buscar incorporar métricas mais universais e comparáveis em seus Relatórios ESG; assim como estar comprometido com a prosperidade da empresa e das comunidades em um planeta, onde a fome vinha regredindo e voltou a crescer, seja pelo efeito Covid, estrangulamento das cadeias distributivas e concentração de renda.
E por que ampliar a capacidade de inovar no ESG? Um estudo realizado por dois pesquisadores chineses (Yanqiong Li e Sihao Li) e publicado em abril deste ano, na International Review of Economics & Finance, traz a resposta sobre ESG e inovação, um tema ainda pouco explorado na academia. O estudo abarcou um universo de pesquisa com mais de 30 mil empresas da China, com ações de 2009 a 2020, utilizando a complexidade da patente como métrica, e é bem contundente ao afirmar que uma empresa com melhor desempenho ESG terá melhor qualidade de inovação. Portanto, agregará valor às suas estratégias, práticas e crescimento, a curto, médio e longo prazos.
RICARDO FREITAS SILVEIRA – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, doutor em Direito Constitucional pelo IDP, mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo IDP e especialista em Negócios Sustentáveis pela Cambridge University