Crise climática: desafio para a resiliência ambiental e ESG

Crise climática: desafio para a resiliência ambiental e ESG
Resiliência ambiental é um termo que vem sendo amplamente utilizado, principalmente quando se trata de desastres climáticos.

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O enfrentamento às mudanças climáticas impõe desafios, quer seja para os governantes, empresários, cidadãos ou para as demais partes interessadas. Tem forte ligação com o conceito de resiliência, que significa a maleabilidade de determinados materiais ou sistemas em voltar ao estado original, sem perder sua identidade básica, depois de passar por perturbações.

É um termo que vem sendo amplamente utilizado quando se trata de desastres climáticos. Determinados ecossistemas são capazes de sobreviver a perturbações, como a interferência antrópica (ações humanas), e encontrar um novo equilíbrio. Outros, simplesmente, sucumbem.

Recentemente, dois episódios de impacto ambiental – um positivo e outro negativo – colocaram à prova a concepção de resiliência ambiental do planeta. O primeiro envolve uma das iniciativas mais emblemáticas no enfrentamento às Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no mundo: o anúncio do fechamento da última usina de carvão em Ratchliffe-on-Soar, no Reino Unido, depois de fornecer energia elétrica por mais de meio século, colocando fim à “era do carvão” que impulsionou a Revolução Industrial no mundo a partir de 1882. Isso marcou historicamente a economia britânica, com a expansão das ferrovias, propiciando combustível para as máquinas a vapor e iluminando as cidades.

A mudança é importantíssima para o Acordo de Paris e as metas ambiciosas para equacionar as mudanças climáticas, uma vez que no início do século 20 a eletricidade do Reino Unido era quase 100% gerada por usinas de carvão, combustível fóssil altamente poluente.

O Reino Unido manteve-se firme em seu cronograma para alcançar emissões líquidas zero (equilíbrio entre emissão de GEE lançada e quantidade retirada da atmosfera) até 2050. Com vontade política, novas leis voltadas ao corte de emissões de carbono, redução de subsídios e taxações sobre o carvão tornaram este tipo de investimento menos atraente.

Dessa forma, o país encerrou uma fase e começou uma nova era de transição para energias limpas, com mudança radical em sua matriz elétrica, que incluirá mais fontes de energias renováveis, como a eólica e a solar. Quem se surpreendeu com o feito britânico, pode se fiar nas palavras do cientista e inventor Thomas Edison, o primeiro a erguer uma usina a carvão em Londres: “Se fizéssemos todas as coisas de que somos capazes, nós surpreenderíamos a nós mesmos”.

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O Operador do Sistema Elétrico do Reino Unido vem atuando para integrar energias limpas na rede elétrica e adotando novas tecnologias. Calcula-se que até a COP 30, que acontece no próximo ano no Brasil, o compromisso com a eliminação do carvão constará das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) de quase a totalidade dos governos que integram a União Europeia e a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), inspirados pela experiência britânica de descarbonização. A meta global é sair de 35,5% de geração de energia elétrica por carvão para 4% até 2030.

Os dados apontam que as usinas de carvão do Reino Unido queimaram em 140 anos o total de 4,6 bilhões de toneladas de carvão, emitindo 10,4 bilhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera. Na contrapartida negativa, somente este ano, no Brasil, as queimadas no Pantanal e na Amazônia resultaram na emissão de um volume de 183 milhões de toneladas de carbono, segundo o Serviço de Monitoramento Atmosférico Copernicus (Cams) da União Europeia.

O ciclo global de carbono vem sofrendo um duro golpe com o alto volume de incêndios florestais que estão atingindo os biomas e estados brasileiros, causando a maior emissão de CO2 (carbono) em duas décadas. Neste ano, somente em setembro, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Especiais) registrou mais de 80 mil focos de incêndio. Para o órgão, o total de focos pode extrapolar as médias da série histórica.

Diante dessa perturbação gigantesca ao meio ambiente brasileiro, o 13º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS-13- Combate às Mudanças Climáticas e seus impactos) ganha para o Brasil um protagonismo emergencial diante dos demais 17 ODS inclusos na Agenda 2030 da ONU.

A crise climática bate com força à porta dos brasileiros, uma vez que as florestas, especialmente a Amazônica, possui um papel fundamental na regulação climática global, promovendo o sequestro de até 1/5 do carbono do planeta. Os incêndios que agora liberam o carbono na atmosfera são considerados atípicos, mesmo diante do fato de o Brasil viver a maior seca das últimas décadas, com baixa umidade do solo e estar sofrendo os efeitos mais intensos do El Niño.

Quando o fogo atinge uma floresta tropical, ela se torna propensa a novos incêndios e aquele ecossistema é alterado, perde sua resiliência, fica sem umidade, levando à degradação do bioma e podendo, muitas vezes, alterar a biodiversidade, porque as espécies mais resistentes ao fogo podem ser as que predominarão.

No Brasil, cabe ao IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) avaliar o progresso das metas dos ODS’s no país. É importante ressaltar que as ações em prol da resiliência, planos e estratégias de prevenção a desastres ambientais sofreram solução de continuidade por falta de espaço na pauta do governo brasileiro entre 2019 e 2022, sendo retomada em 2023.

Vale destacar que o oposto da resiliência é a vulnerabilidade, que deve ser superada pelo gestor público em associação com os gestores privados para alcançar maior eficácia. Segundo o relatório do IPEA: “A melhoria no nível de preparo das autoridades governamentais e da sociedade civil para o enfrentamento aos desastres naturais é ponto basilar para a elevação da resiliência e da capacidade adaptativa aos fenômenos climáticos extremos. Não obstante, o cenário atual para o ODS 13 no Brasil não deve ser considerado descomplicado, diante de tantos desafios de monta que se colocam ao país (…) para cumprir com esses compromissos, é indispensável adotar uma série de medidas de priorização orçamentária e de financiamentos, assim como de reorientação e modernização de políticas públicas”.

Na avaliação do IPEA, o Brasil  somente vem conseguindo cumprir três metas do ODS-13: ser um país que adota e implementa estratégias nacionais de redução de risco de desastres em linha com o Quadro de Sendai (Redução de Riscos de Desastres com uso de instrumentos científicos e saberes das comunidades tradicionais); por adotar e implementar estratégias locais de redução de risco de desastres alinhado com as estratégias nacionais de redução de desastres e pela sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), ou seja, conjunto de compromissos de ação climática do país no sentido de reduzir as emissões.

O Brasil não evoluiu nas metas de emissões totais de GEE por ano, assim como em um programa de educação sobre mudanças climáticas, que aumentasse a conscientização e a capacidade institucional sobre mitigação, adaptação, redução de impacto e alerta precoce da mudança do clima.

Também houve dificuldades em implementar o compromisso de mobilizar conjuntamente US$ 100 bilhões dos países ricos para atender às necessidades dos países em desenvolvimento, no contexto das ações de mitigação significativas; assim como operacionalizar plenamente o Fundo Verde para o Clima por meio de sua capitalização.

Enquanto esse dinheiro não vem, o Fundo Amazônia disponibiliza verba de R$ 450 milhões, via BNDES, para o combate às queimadas e para equipar os bombeiros de Amapá, Amazonas, Pará e Roraima.

O desempenho do Brasil frente aos ODS’s, especialmente o ODS-13, pode melhorar com uma efetiva política pública para prevenir e mitigar os ciclos de desastres ambientais, com ajuda da proposta recém-anunciada de criação da Autoridade Nacional de Segurança Climática – uma autarquia no âmbito do Ministério do Meio Ambiente que tratará de emergências climáticas; de um Conselho sobre Mudança do Clima, presidido pelo Presidente da República e com a atualização da  Política Nacional sobre Mudança do Clima (PL 4816/2019) efetivada neste ano.

Paralelamente é importante sondar como as empresas estão atuando com o indicador “E” do ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) e os riscos associados ao aquecimento global, às mudanças climáticas e  nível de sua resiliência.

O número recorde de focos de incêndios no país e respectivas emissões, certamente, impactam as empresas e seu capital social, seus ativos físicos, aumentam os riscos tecnológicos diante da adaptação necessária e riscos de mercado em decorrência das novas demandas. Seja para a natureza ou para as corporações, adotar uma postura resiliente é saber se adaptar e reconhecer que há novas formas de assimilar os impactos e desenvolver um novo equilíbrio.

Com uma causa comum que exige respostas complexas, urge acelerar uma transição justa e rápida para uma economia descarbonizada, na qual haveria o compartilhamento de ônus e bônus, divididos entre todos os atores, de acordo com sua capacidade. O mundo do zero carbono é fundamentalmente resiliente, reconhece os riscos, se adapta, uma vez que não é mais possível voltar ao estado anterior e, dessa forma, busca uma nova solução, um futuro sustentável, no qual o ESG pode oferecer ferramentas valiosas de resiliência, apontando novos caminhos ao setor produtivo.


Ricardo Freitas – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, doutor em Direito Constitucional pelo IDP, mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo IDP e especialista em Negócios Sustentáveis pela Cambridge University

Yun Ki Lee – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Doutorando em Direito Internacional Privado pela USP, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito