Diante do crescimento e potencial estratégico do ESG (Environmental, Social and Governance) para as empresas de todo o mundo, também se expandiram os conflitos judiciais em decorrência do descumprimento da implementação da conformidade em relação às leis e regulamentos ESG, aplicáveis a corporações ou entes públicos, prejudiciais a toda uma coletividade quando ignorados, que passaram a ser uma prioridade para os fundos de financiamento de litígio.
As demandas que afrontam o ESG encontraram nos fundos de financiamento de litígio uma resposta efetiva para suas demandas diversas. Uma das ações em curso, por exemplo, é contra o conselho administrativo de um player norte-americano de petróleo e gás por não informar como estão sendo gerindo os riscos previsíveis sobre as mudanças climáticas. Outra demanda judicial contra uma empresa aeroespacial por acidentes e violações de protocolos de segurança já resultou em acordo de US$ 237,5 milhões.
Estes são apenas dois exemplos do segmento ESG financiado por fundos de litígios, que vem crescendo, em decorrência de violações significativas nos pilares ambiental, social e de governança. A projeção indica a formação de uma grande onda mundial que passará por tribunais de inúmeros países, podendo criar jurisprudências e até mudar a forma como esses temas são tratados. A solução recente de um caso de 2009 prova isso. Nele, a cabeça do poço da plataforma de uma petrolífera explodiu e derramou óleo no mar da costa da Austrália por 74 dias e prejudicou mais de 15 mil agricultores indonésios, que viviam da colheita de algas marinhas e não tinham recursos para impetrar um processo complexo contra a petroleira. Os requerentes acabaram custeados por um fundo de litígio. Depois de 12 anos, a petrolífera concordou em pagar £ 102 milhões aos agricultores e o fundo recebeu 2/5 do acordo.
Cada dia mais, as pessoas serão responsabilizadas por ignorarem a crise climática pois cresce o interesse da população pelo tema, até porque as pessoas têm sentido na pele os eventos climáticos severos, ou seja, fora dos níveis considerados normais. Quem duvidar deve lembrar das altas temperaturas que atingem grande parte do Brasil neste inverno e a catástrofe provocada pelo ciclone extratropical que devastou parte do Rio Grande do Sul, matou dezenas de pessoas, destruiu cidades e causou todo tipo de transtorno à população.
Dentro do pilar “S” do escopo ESG, os fundos de litígio financiaram uma ação judicial contra uma empresa de mineração de carvão no Reino Unido pela explosão de pó de carvão, também conhecida como poeira combustível, e violação à segurança dos trabalhadores. O litígio resultou em um acordo de US$ 265 milhões e teve impacto na melhora da segurança e prevenção de acidentes para os trabalhadores.
No pilar “G”, os fundos proveram recursos para uma ação contra uma fabricante de produtos aeroespaciais, que teria participado de um suposto esquema de corrupção, o que causou grandes perdas a seus acionistas. Essa violação resultou em um litígio ESG e com os recursos disponibilizados para ingresso na Justiça foi possível aos autores enfrentarem a corporação, que é considerada uma das líderes do mercado em seu segmento.
A sequência de ações ESG é ampla e inclui o escândalo de uma fabricante de automóveis que utilizou um software para reduzir suas emissões, superando questões de regulamentação e colocando no mercado mais de 11 milhões de veículos com emissões elevadas de Nox (óxido de azoto), incrementando a poluição. Assim como o enfrentamento ao assédio sexual em um dos grandes estúdios de cinema de Hollywood, que obteve acordo de US$ 90 milhões e melhorias na governança corporativa da empresa, ajudando a quebrar o ciclo de violências de gênero e LGBT e o silenciamento das vítimas.
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A esses exemplos surpreendentes e diversos, soma-se a maior ação coletiva do mundo, com mais de 700 mil demandantes, impetrada contra a mineradora anglo-australiana BHP Billiton (joint venture da Vale e da Samarco) pelo rompimento da barragem de rejeitos do Fundão em Mariana (MG), na Justiça inglesa, e que vem utilizando recursos de fundos de litígio, com investimento inicial de £ 70 milhões. O processo tem no polo passivo comunidades indígenas brasileiras, quilombolas, prefeituras, estados, empresas, instituições e outras partes.
O crescimento do ESG dentro dos fundos conta com o fator impulsionador das decisões institucionais em defesa de valores ESG, como a decisão deste ano do G20 de apoiar as regras globais do International Sustainability Standards Board (ISSB) para combater o greenwashing empresarial, e da agência reguladora do Reino Unido de condenar três grandes companhias de petróleo e gás por enganar o público com publicidade fake de que estariam promovendo benefícios climáticos.
Além da grandeza dos acusados, os fundos de financiamento de litígios já participaram de ações contra governos nacionais, como a Argentina, onde venceram uma disputa sobre expropriação de companhias aéreas, decidida em tribunais internacionais. Se o processo não obtivesse êxito em seu pleito, os demandantes não teriam qualquer custo, pois os fundos financiadores são os que correm todo o risco.
Com tantos exemplos bem sucedidos, os fundos de financiamento de litígio passaram a ser uma ferramenta importante no cumprimento na agenda dos pilares ESG. O volume tem crescido tanto que a agenda será tema de um encontro fechado, que reunirá representantes de fundos, executivos de grandes companhias e operadores do direito em Frankfurt, na Alemanha, no final deste mês, uma vez que os fundos detectaram a necessidade de priorizar a proteção legal voltada aos direitos humanos, governança ética e meio ambiente.
O processo judicial vem se tornando um caminho para fazer cumprir a conformidade ESG aos que se sentem prejudicados em seu direito. É similar ao caso da indústria dos cigarros. Inicialmente, as pessoas que fumavam eram vistas como viciadas, que adoeciam e morriam conscientes dos avisos das autoridades de saúde pública para não fumarem. Tudo mudou quando surgiram os primeiros litígios, ressaltando que as indústrias de tabaco deveriam compensar os fumantes pelos danos para os quais contribuíram. Era um litígio que parecia sem futuro, mas resultou em acordo. Somente nos Estados Unidos, as empresas de tabaco pagaram US$ 246 bilhões. Fumar agora é quase proibitivo, até mesmo dentro de casa. A comercialização de cigarros continua, mas houve um impacto positivo mundial, que beneficiou milhões de pessoas.
No Brasil, os fundos de financiamento de litígio voltados aos pilares ESG estão tomando fôlego e seguindo a modalidade considerada tradicional de contrato firmado entre as partes de um litígio e o financiador, que irá prover os recursos necessários para a demanda ajuizada, recebendo em contrapartida parte do resultado obtido no processo. Os riscos legais e regulatórios são fundamentais para financiar disputas contenciosas, envolvendo questões que têm no polo passivo governos ou corporações transnacionais.
O ESG envolve uma grande pauta de riscos, sejam climáticos, de diversidade e inclusão, violação de dados pessoais, direitos humanos, abusos na cadeia de fornecedores, ética nos negócios, greenwashing, principalmente por alegações enganosas sobre credenciais voltadas à sustentabilidade ou má conduta corporativa. São demandas arriscadas e dispendiosas e que podem durar anos. Por isso mesmo, aos financiadores não interessa apenas a vitória, mas também causar impacto positivo na vida de milhões de pessoas.
Em todos esses casos financiados pelos fundos de litígio ligados aos critérios ESG, o que chama atenção é o fato de o polo ativo das ações ser formado por verdadeiros “Golias”, difíceis de serem enfrentados por jurisdicionados desprovidos de recursos e equipados apenas pela sua indignação e senso de justiça. Sem os fundos, as partes estariam na contenda em total desequilíbrio, porque não passariam de “Davis”. Com o incremento do financiamento dos litígios ESG, os fundos podem ajudar a fazer justiça, impulsionando o compromisso corporativo com a sustentabilidade.
RICARDO FREITAS SILVEIRA – Sócio-head da Lee, Brock, Camargo Advogados, doutorando no IDP (Instituto Brasileiro de Ensino), mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo IDP e especialista em Negócios Sustentáveis pela Cambridge University
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito