Os eventos climáticos extremos que atingiram o Rio Grande do Sul, devastando o estado e causando perturbações generalizadas à população, comoveram os brasileiros e colocaram em ação uma rede gigantesca de solidariedade. O impacto da crise climática desestabiliza a política, afeta o sistema financeiro, a economia, a agricultura, a saúde, corrói a renda da população, faz declinar a riqueza, reduz a capacidade de consumo e aumenta os conflitos sociais, além de contribuir para a extinção de espécies, dentre outras graves sequelas.
A cada dia, as organizações são instadas a mensurar os impactos das mudanças climáticas em seus negócios ao longo da transição para uma economia de baixo carbono, estágio em que o planeta terá conseguido reduzir as Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), que fizeram a temperatura da Terra subir e desequilibrar o clima, desencadeando eventos severos.
Atualmente, companhias petroquímicas, de eletroeletrônicos, de aço e montadoras, dentre outras, tiverem de suspender suas atividades no Rio Grande do Sul, e 7 em cada 10 empresas varejistas foram afetadas pelas enchentes, de acordo com a Federação das Associações Gaúchas do Varejo.
A meta 5 do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 11 (ODS-11- Cidades e Comunidades Sustentáveis) da Agenda 2030 da ONU, da qual derivou o ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança), destaca a necessidade de “reduzir significativamente o número de mortes, de pessoas afetadas e de perdas econômicas diretas em relação ao Produto Interno Bruto global causado por catástrofes, incluindo catástrofes relacionadas à água, com foco em proteger os pobres e pessoas em situação de vulnerabilidade”. Também explicita que um projeto de adaptação aos efeitos da crise climática não se reduz a decisões privadas e isoladas, mas envolve políticas públicas, empenho do setor privado, da sociedade, da ciência e do conhecimento para atuar nestes momentos de crise.
Diante do cenário de emergência climática, o Legislativo brasileiro reagiu rápido, e o Senado aprovou, em votação simbólica, projeto de lei que cria diretrizes gerais para planos de adaptação das políticas públicas para fazer frente às mudanças climáticas, devendo priorizar municípios mais vulneráveis. Os recursos virão do Fundo Nacional sobre Mudanças Climáticas, administrado pelo BNDES. No Brasil, atualmente, somente três estados (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) possuem planos de adaptação às mudanças climáticas. É um “gap” que coloca vidas em risco e ameaça a sustentabilidade do país.
Um dos grandes desafios da crise climática é a implementação de soluções integradas entre o Poder Público e o setor privado para gerar, financiar e manter soluções transformadoras para aumentar a resiliência das cidades às mudanças climáticas. As chamadas soluções verdes implementadas em escala, como ampliação da cobertura arbórea das áreas urbanas, constituem medidas simples e ágeis para combater as ondas extremas de calor e as inundações.
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Contudo, somente são eficientes se tiverem uma gestão adequada e recursos contínuos, a garantir a manutenção de sua infraestrutura. Essa solução climática sustentável é um exemplo de parceria possível entre o Estado e entidades privadas, que pode ser expandida, uma vez que já existe uma iniciativa inicial para manutenção de praças e jardins em muitos municípios.
As alterações climáticas estão integradas ao fator ambiental do ESG, sendo que as corporações gerenciam os impactos climáticos sobre suas atividades e podem mobilizar e engajar seus stakeholders (clientes, colaboradores, fornecedores, investidores, comunidade, imprensa etc.) durante eventos climáticos severos, demonstrando que dispõem de mecanismos de responsabilização relacionados ao clima e desempenho ESG, que vão além das fronteiras da companhia e se voltam para segmentos da população mais vulneráveis.
Quanto mais próximo está o risco decorrente da mudança do clima, mais a consciência sobre a gravidade desta crise se espraia. Uma pesquisa da S&P Global Market Intelligence aponta que 80% das maiores empresas do mundo relataram estarem preocupadas com os riscos que a crise climática pode trazer para seus negócios, havendo em percentual semelhante daquelas que estão engajadas em soluções sustentáveis.
As estratégias focadas no ESG exigem uma efetiva atuação das corporações e, agora, diante de um cenário preocupante de fenômenos meteorológicos, cada dia mais presentes, fica evidenciada a necessidade de focar nos riscos da crise climática em todas as suas dimensões, com adaptação e mitigação da atividade econômica, para quem se posiciona como um genuíno líder ESG.
De acordo com a Nasa, a agência espacial americana e um importante órgão de dados da ciência climática, o clima da Terra se manteve estável nos últimos 10 mil anos e isso permitiu o nosso desenvolvimento. Mas agora, com as mudanças em curso, precisamos nos adaptar. Quanto mais radical for a alteração climática, mais irá exigir de gestores públicos, das corporações e das pessoas individualmente. A alteração climática é global, mas cada um experimenta seus impactos de forma diferente e localmente.
Assim como os países, estados e municípios, as organizações também precisam adotar estratégias de adaptação e mitigação às mudanças climáticas. O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), órgão ligado à ONU, explica que mitigar é reduzir as fontes e estabilizar os níveis de Gases de Efeito Estufa para permitir que o ecossistema se adapte naturalmente às alterações climáticas. Já adaptar é reduzir os riscos das alterações climáticas com fenômenos meteorológicos intensos, realizar um processo de ajuste para moderar ou evitar danos e explorar oportunidades positivas.
Nesse cenário, as organizações correm riscos físicos, que podem tornar suas instalações vulneráveis à ação da água, como aconteceu no Sul do Brasil, a tempestades violentas, desabamentos de encostas ou invasão marítima, conforme sua localização.
Pesquisa da Universidade Gutenberg de Mainz, na Alemanha, a partir dos anéis de crescimento das árvores, constatou que o verão de 2023 foi o mais quente dos últimos 2.000 anos no hemisfério norte. Esse dado está em sintonia com a informação do Climate Central: 80% da população mundial ficou exposta a temperaturas severas, pelo menos um dia, de dezembro de 2023 a fevereiro de 2024.
No Brasil, essa marca foi potencializada: atingiu 93% dos habitantes. As alterações climáticas já fazem parte da rotina dos brasileiros. Neste outono, o Sudeste ainda sofre com as ondas extremas de calor, uma combinação de emissões de GEE com o fenômeno El Niño.
Assim como as cidades, as empresas precisam ter um plano estratégico de soluções sustentáveis para lidar com eventos extremos de forma a manter sua equipe, estrutura e identidade intactos. Para tanto, é preciso aprender e se transformar. Nesse quesito, as práticas ESG podem ajudar porque avaliam desempenho, riscos e oportunidades, além de possibilitar a atuação multilateral das partes interessadas, visando a alcançar um impacto positivo.
Com afirmou Shakespeare, em Hamlet, “estar pronto é tudo”. Isso foi demonstrado na ilha de Java, na Indonésia, a partir de um mutirão comunitário no distrito de Demark, onde foram restaurados 20 quilômetros de mangues costeiros e foi introduzida a agricultura sustentável. A proteção evitou inundações e destruição, garantiu a produtividade e trouxe benefícios da biodiversidade a 70 mil pessoas.
Igualmente criativa foi a solução encontrada na cidade de Santos, no litoral paulista, que não possui uma política climática, mas instalou 49 sacos de areia no fundo do mar da Ponta da Praia. O local sofria erosão, tendo perdido quase 80 mil metros cúbicos de areia, e a solução mitigou o problema climático.
Dados do relatório do Banco Mundial e Mecanismo Global para Redução e Recuperação de Desastres apontam que o custo global para a adaptação climática deve chegar a US$ 300 milhões até 2030. Isso significa que Estados e empresas terão custos extras para implementar estratégias climáticas que levem a um caminho seguro para alcançar a sustentabilidade.
Com riscos climáticos crescentes, algumas estratégias corporativas vêm se consolidando, como reduzir as emissões nas categorias 1, 2 e 3 e contribuir efetivamente para manter a temperatura global abaixo dos 2ºC até o final do século, comparativamente às temperaturas da Terra na era pré-industrial.
Somada a essa medida de risco carbono, há iniciativas de buscar o uso de energias 100% renováveis, gestão sustentável de resíduos, locais de trabalho e comunidades mais seguras, ciclo de práticas para compreender a complexidade da crise, introdução de novas abordagens sensíveis ao clima, além de investimento na transparência corporativa. Isso permitirá expor nos relatórios ESG o efetivo avanço no combate à crise climática.
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Doutorando em Direito Internacional Privado pela USP, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
TEREZA CRISTINA OLIVEIRA RIBEIRO VILARDO – Sócia da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA). Mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie e MBA em Gestão de Empresas pela FGV