Nas práticas ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês), o fator meio ambiente tem ganhado peso decisivo dentro dessa tríade, por ser uma temática que atinge a todos global e igualmente e tem um potencial transformador, ao envolver o conceito de desenvolvimento sustentável , que nasce no relatório Brundtland – Nosso Futuro Comum1, de 1987, elaborado pela pioneira Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, definindo-o como o processo de corresponder às necessidade presentes, sem comprometer as necessidades das gerações futuras.
Com a pressão da opinião pública, de entidades como a ONU, a partir da fixação da Agenda 2030 e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)2, dos riscos globais apontados pelo Fórum Mundial3, da Cúpula do Clima e de relatórios que analisam as tendências mundiais, como o Global Trends 2040 – A More Contested World4, o mercado financeiro vem registrando o crescimento da demanda de investidores interessados em canalizar seus investimentos para “selos” ESG. E, a cada dia, surgem novos fundos para garantir rentabilidade e, ao mesmo tempo, dar sua contribuição às questões do desenvolvimento ambiental para todo o planeta, indistintamente.
Assim como o livro “Visão do Paraíso” do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1977), que envolveu ampla pesquisa histórica, sendo fundamental para ajudar a entender nossas raízes e formação com base nas crônicas de viagem, mentalidade e imaginário dos navegantes durante o período dos descobrimentos; devemos buscar elos que nos auxiliem a decifrar o que buscam os novos investidores, que colocam cerca de US$ 30 trilhões em ativos na gestão de fundos ESG.
Nesse sentido, podemos utilizar a singularidade do passado para traçar um paralelo com o presente. Em que medida a defesa do meio ambiente, no contexto ESG, confirma a busca por uma nova visão de mundo? Como brasileiros e estrangeiros veem a Amazônia, o maior bioma brasileiro, e sua contribuição para superar os entraves climáticos e assegurar a sustentabilidade do planeta? Para responder essas perguntas, temos de analisar qual a mentalidade que norteia os novos investidores diante das rupturas trazidas pela pandemia da Covid-19, pelas mudanças climáticas e pela volatilidade política e econômica. Assim como Colombo classificou como “Paraíso Terreal” as novas terras que avistou, a geração millennial tem visto nas práticas ESG a possibilidade da construção de um “Novo Mundo”. Isso impõe uma nova realidade, na qual a NextEra Energy , maior produtora de energia eólica e solar do mundo, supera a petrolífera Exxon Mobil, em valor de mercado. A Exxon protagonizou um dos maiores acidentes ambientais da história, na década de 1980, quando seu petroleiro Exxon Valdez colidiu com recifes no Alasca e derramou no mar 11 milhões de galões de petróleo bruto. Esse desastre é considerado um marco na conscientização e no ativismo ecológico mundial.
Sergio Buarque de Holanda aponta que, para os navegadores, o Novo Mundo ganhou um significado: “Novo, não só porque ignorado, até então, das gentes da Europa e ausente da geografia de Ptolomeu, fora ‘novamente’ encontrado, mas porque parecia o mundo renovar-se ali , e regenerar-se, vestido de verde imutável, banhado numa perene primavera, alheio à variedade e aos rigores das estações, como se estivesse verdadeiramente restituído à gloria dos dias da Criação”. A idealização desse “Novo Mundo”, cantada em prosa e verso nas redes sociais, também está espelhada na agenda ESG.
Assim como na “Visão do Paraíso”, Sérgio Buarque Holanda quis entender as reais motivações da visão endêmica no descobrimento e, dessa forma, entender o universo mental dos navegantes e colonizadores de antiguidade clássica. Podemos, aí, buscar entender os motivos que estão levando os investidores a priorizar empresas com matriz ESG.
Essa lógica parece guardar a mesma aura do paraíso intocado da era das navegações. É uma meta que se deseja coletivamente alcançar de um Novo Mundo – melhor e mais justo para todos.
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Da mesma forma com que os navegantes ficaram maravilhados com as qualidades do Novo Mundo, construindo imagens mitológicas – entre elas a do Paraíso, que vem desde o Gênesis – os novos investidores compromissados com a agenda ESG, especialmente da geração millennials ou “Y”, que nasceram entre 1981 e 1996, querem investir em empresas sustentáveis, que ajudem a construir esse “Novo Mundo”. Atualmente, estima-se que essa geração totalize 75% da força de trabalho mundial e no Brasil somam 70 milhões de pessoas.
A Amazônia pode ter – ou não – a aura do paraíso terrenal da expansão ultramarina, mas a ciência já comprovou que a floresta em pé ajuda a estabilizar o clima do planeta e é fundamental para manter os chamados rios voadores, ou seja, massas de ar carregadas de vapor de água que levam chuvas para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, além de influenciar as chuvas em outros países da América Latina. Chuva que garante segurança hídrica e alimentar. O desmatamento da Amazônia traz, portanto, impactos ambientais para todo o mundo, muita turbulência à discussão ambiental e política no país e impacta a cadeia produtiva de empresas brasileiras, com reflexos sobre seus desempenhos.
Recentemente, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) informou que no mês de maio de 2021, pela primeira vez, os alertas de desmatamento na Amazônia Legal superaram 1.000km2. Cresceram 41% contra maio do ano passado e atingiram 1.180km2 , com tendência de alta diante da estação de estiagem que vem por aí. Qual será o impacto desses dados sobre as empresas brasileiras, mesmo que suas atividades não tenham correlação com o desmatamento da Amazônia e haja um compromisso efetivo com uma economia de baixo carbono? Fatalmente, será negativo.
A agenda ESG retoma a perspectiva da visão de um Novo Mundo, no qual as empresas assumam práticas mais sustentáveis e cumpram seu dever de ajudar a preservar e tornar o planeta socialmente mais equilibrado, porque seu papel não se resume mais a entregar uma performance financeira, devendo incluir compromissos sociais, éticos e ambientais. Torna-se necessário entender isso para chegar à visão dos navegadores do mercado financeiro. É como olhar na história quase 30 anos atrás, quando ocorreu a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992 (Rio-92), apontada como um marco mundial, na qual o Brasil sepultou definitivamente a ideia equivocada de que a defesa ambiental era um entrave ao crescimento econômico. Seu documento final, a Agenda 21, continua a ser extremamente atual pelos desafios que trouxe da construção de um mundo novo que, no mínimo, deveria ter o compromisso de mitigar as mudanças climáticas e respeitar a questão ambiental com o devido status de direito fundamental.