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Jornada do ecossistema ESG e seus desafios

Jornada do ecossistema ESG e seus desafios
Planeta deve ganhar em 2022 monólito de aço para armazenar todos os dados ligados à crise climática.

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O planeta deve ganhar neste ano um monólito de aço inexpugnável, sustentado por energia solar, com 10 metros de altura para armazenar todos os dados ligados à crise climática, em tempo real. O sistema utiliza o algoritmo Earth 500, um conjunto de dados de 500 métricas relacionadas à saúde climática do planeta. Os dados começaram a ser coletados desde a COP 26 (Conferência do Clima), que aconteceu no ano passado em Glasgow, na Escócia.

O projeto dessa espécie de “arca do futuro”, criada por diferentes organizações, ficará instalada no deserto da Tasmânia, na Austrália, e promete ser tão resistente a sinistros quanto os gravadores de voo dos aviões, no sentido de deixar um legado para as gerações futuras, caso o planeta sucumba à crise das mudanças climáticas. A exemplo das caixas-pretas das aeronaves, o monólito do clima também é laranja, para se tornar mais visível em meio a um possível caos.

Os dados inseridos nesse monólito podem permitir a reconstituição de um possível colapso ambiental. Reúnem documentos oficiais, pesquisas científicas e até mídias sociais sobre os padrões climáticos, em meio ao aquecimento da temperatura terrestre, que continua a subir, impulsionado pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE) e dificuldades do poder público e do setor privado para atingir uma economia descarbonizada em ritmo mais acelerado. Da COP 27, que começa no próximo dia 6, no balneário egípcio de Sharm El-Sheik, vem um alerta de que foram cancelados todos os eventos paralelos por “questões logísticas”, o que pode restringir o diálogo com atores não governamentais envolvidos com a crise do clima, como ativistas, cientistas etc.

Se o planeta precisa de um monólito para lidar com a crise climática, o ESG também deveria dispor de um? O ESG ainda guarda mistérios? Em parte, talvez, uma vez que sem regulamentação, persegue métricas mais rigorosas, classificações, desempenhos, pontuações e outros elementos classificatórios para se tornar mais transparente. Atingimos a etapa de desvendar o monólito (tudo que desconhecemos) do ecossistema ESG, ou seja, dos requisitos de conformidade, aumentando a segurança do mercado, dos emissores, dos investidores e dos que se beneficiam com as práticas ESG.

O monólito ESG tem o sentido de metáfora. É um bloco bruto de pedra que contém dados, cujo sentido se deseja conhecer, mas que não se releva ao observador comum, externo. É preciso saber ler e decodificar para entender os significados que guarda. É similar ao monólito do filme “2001: Uma odisseia no espaço”, que faz a ligação entre passado e futuro, consolidando um avanço da humanidade.

ESG

O primeiro título verde no mercado de capitais foi criado em 2007 pelo Fundo Europeu de Investimento, sob inspiração dos alertas sobre mudanças climáticas emitidos pelos relatórios do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. Mas, até hoje, ainda se encontra em discussão no âmbito das agências reguladoras, como a Securities and Exchange Commission (SEC) – agência norte-americana de normatização do mercado de capitais – a estrutura e princípios que devem nortear os títulos verdes e os títulos ESG.

De forma evolutiva, a emissão de títulos verdes no mercado ganhou novos matizes. Segundo o Center for International Climate Research (Cicero), de Oslo, devem ser consideradas outras três vertentes vinculadas à sustentabilidade: verde escuro, que envolve títulos resilientes ao clima, caso da energia renovável; verde médio para os projetos de prazo mais longo, como transportes híbridos plug-in; e verde claro, para os projetos de transição, como os realizados por empresas de energia fóssil que financiam energia limpa.

Nessa travessia para conhecer melhor o ecossistema ESG, diversas agências de classificação de títulos seguem coletando milhões de dados, identificando acertos e lacunas, implantando métricas, algoritmos e gerando inúmeros índices no sentido de pontuar com a maior precisão possível o desempenho de cada empresa com os compromissos ESG. Todas essas agências ajudam a desvendar o monólito do ESG. Assim como o monólito, que pode ser entendido como um agente de mudança, esses rankings também emitem sinais para o mercado, com impactos sobre a reputação das companhias, limitando ou ampliando seus horizontes futuros, embora ainda não conversem entre si.

Enquanto não se chega a uma classificação internacional padronizada e confiável para categorizar os negócios ESG, os emissores de títulos sustentáveis atuam com a chamada segunda opinião (Second Party Opinion ou SOP), formada por terceiros independentes que promovem exaustivas análises dos projetos, propiciando aos investidores uma tomada de decisão mais segura. De certa forma, também ajudam a desvendar a caixa preta do ESG ao expor o gerenciamento dos riscos, as oportunidades e os impactos que determinado negócio causará ao planeta e a vida dos seres humanos.

De outro ponto de vista, a agência reguladora do mercado de capitais da França, a AMF (The Autorité des Marchés Financiers), vem pregando uma regulamentação rigorosa em toda a União Europeia sobre as agências de rating ESG e outros serviços, que deveriam cobrir dados e classificações.

A AMF não quer apenas uniformizar uma classificação ESG, porque entende que sua importância para o mercado cresceu e tornou-se necessário regulamentar a qualidade das informações e criar um Marco de Regulação Europeu para a classificação ESG. Assim sendo, a estrutura de regulamentação não recairia apenas sobre as boas práticas ESG das empresas, mas sobre as agências de rating, atentando para governança.

No final do primeiro semestre deste ano, a AMF descreveu os requisitos da regulamentação proposta, envolvendo “transparência sobre as metodologias, os dados subjacentes utilizados (fonte e natureza) e os objetivos dos produtos (em particular risco ou impacto). Deve também prever requisitos em matéria de gestão de conflitos de interesse, procedimentos de controle interno e diálogo reforçado com as empresas objeto de rating. Nesta fase de desenvolvimento do mercado em que a análise do desempenho continua a ser multifacetada e evolutiva, este quadro regulamentar não deve conduzir a uma uniformização de metodologias, mas deve garantir uma transparência suficiente dos intervenientes face ao mercado”.

A AMF vem tendo um papel relevante no Regulamento de Taxonomia da Comissão Europeia, tendo contribuído para o desenvolvimento de normas de investimento ESG e finanças verdes, além de padrões para relatórios. Esse posicionamento da reguladora francesa projeta o ESG para um cenário de interesse global. Na busca de dados ESG mais confiáveis, a França tem o apoio também da autoridade reguladora holandesa (Autoriteit Fianciële Markten). As duas agências reclamam de falta de transparência na metodologia empregada e divergência nos métodos e nas ferramentas de classificação ESG, ou seja, querem desvendar o monólito.

O expandido universo de métricas ESG já inclui 150 classificações e 450 índices ESG, sem falar das organizações que realizam suas próprias pesquisas e produzem suas classificações. É uma esfera complexa em que os conflitos de interesse ficam expostos, até porque muitas agências de rating ocupam diferentes papéis no mercado, inclusive como consultoras.

Recentemente, também marcou presença no mercado a plataforma Impact! ESG – uma parceria da big tech Google com a empresa de pesquisa MindMiners e o Sistema B, este último ligado ao Movimento internacional de Empresas B, compromissadas com os impactos socioambientais de seus negócios.

Essa nova abordagem pretende mensurar a percepção do público sobre o ESG e as marcas, produzindo um novo índice. Em sua primeira iniciativa, a plataforma realizou uma pesquisa no Brasil com 3.000 pessoas, sendo que o resultado surpreendeu. O silêncio dos brasileiros sobre o ESG ecoou: de cada 5 entrevistados, 4 desconhecem o ESG e 47% não conseguem associar os critérios ESG às marcas (pesquisa estimulada), mas consideram importante os temas e as subcategorias relacionadas: ambiental (terra e vida, ar e clima), sociais (diversidade & inclusão, saúde, bem-estar, segurança e trabalho) e governança (ética e transparência).

A nova plataforma ajuda a desvendar parte do monólito do ecossistema ESG, porque até então não se conhecia mais a fundo como o público, especialmente o brasileiro, percebia as práticas ESG, com exceção de pontuais enquetes. Essa nova iniciativa tem potencial para ajudar as empresas a entender melhor seus desafios ambientais, sociais e de governança, em uma abordagem integrada, podendo consolidar sua imagem corporativa, resgatando e impulsionando suas trajetórias e evitando acidentes com o ESG.

O monólito também reflete os caminhos para o Judiciário. Nesse sentido, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de equiparar o Acordo de Paris aos tratados de direitos humanos, dentro do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 708), que envolvia o caso dos recursos do Fundo Clima, pode ser considerada um marco, abrindo novas perspectivas para viabilizar litígios ligados aos pilares ESG.

Como ensina o escritor Guimarães Rosa, “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. Essa frase pode nos situar sobre a etapa atual da jornada do ecossistema ESG e seus desafios, que podem ser difíceis de decifrar como um monólito, mas que nos sinalizam como sendo um passo evolutivo na caminhada até a nova era planetária da sustentabilidade.


YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito