MP que regula mercado de carbono deixa agronegócio de fora; entenda 

MP que regula mercado de carbono deixa agronegócio de fora; entenda
O agronegócio frequentemente é apontado como um dos principais contribuintes para as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil.

Share This Post

Alguns meses atrás, quando as conversas sobre a criação do novo mercado de carbono no Brasil se intensificaram, havia uma incerteza em muitos círculos em Brasília: o setor de agronegócio será incluído no novo sistema?

O agronegócio frequentemente é apontado como um dos principais contribuintes para as emissões de gases de efeito estufa (GEE) no Brasil. Entretanto, existe um argumento em contrapartida que sugere que esse setor desempenha um papel fundamental na solução do desafio das mudanças climáticas. Isso se deve ao fato de que muitas das práticas de produção e gestão adotadas no agronegócio, na verdade, contribuem para a remoção de gases de efeito estufa da atmosfera.

Uma resposta a essas questões surgiu do Senado Federal, que, de maneira unânime, aprovou em 4 de outubro o estabelecimento do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). 

Logo no início do texto, há previsão expressa de que a “produção primária agropecuária, bem como bens, benfeitorias e infraestrutura no interior de imóveis rurais a ela diretamente associados” não se submeterão às obrigações do novo mercado regulado de carbono brasileiro.

O texto em questão desembaraçou um dos obstáculos que vinha impedindo o avanço do projeto de lei destinado a instituir o aguardado mercado regulado de carbono no Brasil.

Certamente, a incorporação do agronegócio nas atividades reguladas, sujeitas a limites de emissões, seria uma tarefa complexa. Primeiramente, isso se deve à ausência de metodologias consolidadas para medir, relatar e verificar as emissões desse setor. Esse desafio dificultaria a sua inclusão no Plano Nacional de Alocação, que aguarda aprovação do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima.

Além disso, mesmo na hipótese de haver ferramentas e tecnologias transparentes e confiáveis, as fazendas não necessariamente se enquadrariam nos limites estabelecidos pela legislação, uma vez que a cadeia de produção agropecuária é caracterizada pela sua ampla dispersão geográfica.

Segundo o texto aprovado, as atividades, fontes ou instalações situadas no território nacional que emitam ou tenham potencial para emitir gases de efeito estufa em quantidades superiores a 10.000 toneladas de CO2 equivalente por ano devem elaborar planos de monitoramento e relato das suas emissões. Apenas as que forem responsáveis por emissões acima de 25.000 toneladas de CO2 equivalente por ano deverão apresentar um relatório de conciliação das obrigações.

Para concluir, o texto do projeto de lei aprovado pelo Senado inclui a possibilidade de que o Plano Nacional de Alocação possa definir um tratamento diferenciado para o setor do agronegócio, levando em consideração suas características específicas, como as atividades realizadas, a receita, os níveis de emissões líquidas e outros critérios relevantes.

Isso não implica, no entanto, que o setor agropecuário brasileiro não deva se antecipar às transformações climáticas e às obrigações legais e responsabilidades decorrentes desse cenário.

Seria até ingênuo imaginar que o agronegócio brasileiro, uma potência estabelecida no cenário global, negligenciaria deliberadamente as oportunidades apresentadas pelo mercado de carbono e as tendências mundiais relacionadas a essa questão.

LEIA TAMBÉM:

Agronegócio tem o social como destaque da tríade ESG; entenda

Corrida pela descarbonização: o processo para se tornar Net Zero

As recentes regulamentações europeias, em especial a resolução do Parlamento Europeu que veta a comercialização de produtos ligados ao desmatamento, abrangendo itens como óleo de palma, carne bovina, café, cacau e soja, além do mecanismo de ajuste fronteiriço de carbono que incorpora fertilizantes, por si só, constituem motivos substanciais para que o setor agropecuário brasileiro esteja vigilante.

Com relação à regulamentação conhecida internacionalmente como a “EU Deforestation Regulation,” será necessário conduzir uma due diligence detalhada na cadeia de suprimentos dos produtos, a fim de assegurar que eles não tenham origem ou vínculo com áreas desmatadas ou degradadas após 31 de dezembro de 2020.

Ou seja, o setor terá a tarefa de monitorar de perto as commodities que estão sendo comercializadas no mercado europeu, a fim de assegurar a sua procedência e confiabilidade.

O Carbon Border Adjustment Mechanism – CBAM, por outro lado, refere-se a uma forma de tributação aplicada a produtos específicos e bens de consumo, com o propósito de compensar os custos suportados pelos produtores europeus relacionados ao mercado de carbono europeu (Sistema de Comércio de Emissões da UE – ETS). 

Quando completamente implementado, os importadores europeus serão obrigados a pagar a diferença entre o custo do carbono e o valor das permissões no mercado regulado europeu, caso o produto provenha de um país com regulamentações mais frouxas em relação às emissões de gases de efeito estufa.

Os produtos agrícolas, embora atualmente não estejam sujeitos a essas restrições, provavelmente serão incluídos na lista de itens sujeitos à tributação em um futuro próximo, a menos que possam demonstrar uma origem de cadeia de fornecimento neutra em carbono.

De fato, para garantir a sustentabilidade e longevidade de suas operações e cumprir as regulamentações internacionais, o setor precisará comprovar a implementação de políticas eficazes para a redução ou compensação de emissões.

Dessa forma, ao promover práticas agrícolas que melhoram a qualidade do ar e da água, que protegem e regeneram o solo, que fortalecem a resiliência das comunidades diante das mudanças climáticas e que conservam a biodiversidade, o setor assegura a continuidade das exportações, enquanto continua contribuindo com benefícios incontestáveis para o país.

Assim, estar ou não incluído no mercado regulado de carbono não implica na exclusão do agronegócio da execução da política climática brasileira. Pelo contrário, o agronegócio continuará desempenhando um papel central no debate e, muito provavelmente, na formulação de soluções.

Fonte: Valor

Autor(a): Renata Campetti Amaral e Manuela Demarche