Depois que a tecnologia abriu um amplo caminho de oportunidades para a advocacia, com uma infinidade de novos ramos do direito, a começar pelo ecossistema das startups, chegou a vez de os fatores ESG (Environmental Social and Governance) desbravarem novas práticas advocatícias, que vão além do meio ambiente e dos direitos humanos, que já possuem jurisprudência consolidada no país.
Os fatores ESG, por sua vez, constituem uma área emergente dentro da advocacia mundial, especialmente em firmas capazes de reunir uma equipe multidisciplinar para atender, apoiar e responder a questões regulatórias em diferentes contextos, sejam de mudança climática, transparência, relações comunitárias, governança, gestão de risco, diversidade e inclusão, corrupção e subornos, regulação de valores mobiliários, propriedade de ativos naturais, sustentabilidade financeira, títulos verdes, responsabilidade corporativa, dentre outras. Os fatores ESG não podem ser confundidos com responsabilidade social, porque envolvem esforços visando um negócio responsável e sustentável e sofrem a pressão de investidores, stakeholders e consumidores.
As práticas ESG também devem ocorrer em mão dupla de direção. E isso é evidenciado pelo fato de que as firmas sem credenciais ESG começam a ficar de fora da seleção de muitas RFP (Request For Proposal) na qualidade de possíveis parceiros e fornecedores de empresas, principalmente transnacionais.
A revolução ESG, portanto, deve começar dentro do escritório de advocacia, que precisa aplicar esses fatores em suas próprias operações, alinhando sua governança, seu papel social e sua pegada de carbono, que nada mais é que a quantidade de Gases de Efeito Estufa (GEE) gerada pelas suas ações. O ideal é reduzir a pegada média global per capita anual para 2 toneladas até 2050 para manter a temperatura do planeta no patamar previsto pelo Acordo de Paris, mantendo a temperatura entre 1,5ºC e 2ºC em relação aos níveis pré-industriais. Atualmente, a pegada individual é de 16 toneladas nos Estados Unidos e 8 toneladas no Brasil.[1] Não é uma meta oficializada, mas uma necessidade para descarbonizar a economia e o dia a dia.
O principal segmento ESG que vem sendo absorvido pelas firmas de advocacia é a chamada prática jurídica integrada. Ou seja, uma rede de segurança empresarial para responder ao grande volume de regulamentação e a necessidade de estar em conformidade com todas elas, na rapidez que o mercado demanda. Segundo pesquisa da The Blended Capital Group, 50 escritórios internacionais em todo o mundo já oferecem consultoria ESG integrada para inúmeras empresas.[2] A transição para “net zero” é uma jornada em que os portfólios das empresas e a concorrência ditará boa parte das regras do mercado.
As mudanças estão em curso, vindas de todos os lados. Um exemplo inusitado vem da prestigiosa Universidade Harvard, com um respeitável fundo de US$ 42 bilhões – o maior do planeta no âmbito universitário – que deixará de promover investimentos em empresas que explorem combustíveis fósseis, ou seja, que apresentem baixos padrões ESG.
O que isso quer dizer na prática? Quem não tem uma estratégia para fazer seu negócio prosperar em um mundo de transição da economia para carbono zero, terá de passar a considerar o assunto, que deve impactar estrategicamente toda economia mundial para muito além da COP 26. A decisão da instituição acadêmica, de seus gestores, estudantes, professores e funcionários não possui impacto apenas financeiro, mas grande poder influenciador na comunidade internacional.
O recado é claro: em uma década, a Universidade Harvard mudou de postura e defende publicamente a proposta de um mundo mais sustentável diante de uma crise climática iminente.[3] Não há só altruísmo nisso, mas tendência e dados. Os números confirmam esse cenário: os fundos de ações ESG passaram a contar com US$ 70 bilhões até 2020, enquanto os fundos de ações tradicionais perderam US$ 200 bilhões no mesmo período.
Os pilares ESG, a exemplo do compliance, estão amarrados a políticas das empresas, declarações públicas e até em compromissos contratuais. Há três tipos de ações judiciais mais comuns envolvendo ESG: compensação monetária por danos, busca na mudança do comportamento da empresa e ações de direito público para a tomada de decisões administrativas.
Também estão se tornando comuns os processos que buscam responsabilizar a empresa-mãe por gestões das subsidiárias, que o reclamante considera ilegais, alegando que a controladora tinha conhecimento dos fatos em disputa, caso da mineração. Acordo internacionais também ajudam a subsidiar os argumentos dessas ações, como o Pacto Global da ONU, as Diretrizes para Empresas Multinacionais da OCDE e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODs).[4]
Para quem tinha dúvidas, os litígios ESG já começaram a ser definidos. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) recentemente determinou que uma empresa norte-americana cumprisse contrato e transferisse para uma companhia brasileira 326.080 créditos de carbono, contratados entre 2013 e 2019 para liquidação no mercado futuro. O litígio se instalou porque os créditos de carbono ganharam grande valorização no mercado, a partir da decisão de inúmeras corporações de fixarem metas corporativas para zerar suas emissões de carbono até 2030.[5]
E as demandas não param. Uma foto publicada por uma corretora de seguros e fundo de investimentos nas redes sociais – na qual os profissionais reunidos eram em sua maioria (mais de 90%) homens, brancos e jovens, a chamada “heteronormatividade” – levou três entidades da sociedade civil a ingressar na Justiça gaúcha com ação civil pública para reparação por dano moral coletivo, alegando possível política de contratação excludente e discriminatória contra mulheres, negros, LGBTQIA+, PcDs etc.[6] Embora o foco do ESG neste momento seja a questão ambiental, o pilar “S” vem ganhando tônus porque define as práticas de uma organização em relação às condições de trabalho, diversidade e inclusão, acessibilidade, direitos humanos, dentre outras. E vale lembrar que o ecossistema social dentro de uma empresa é um campo vasto para litígios se não for considerado um valor importante na agenda ESG.
Nos Estados Unidos, esse tipo de ação vem ganhando corpo e envolve empresas que não possuem diversidade em seu conselho. O argumento utilizado pelos reclamantes (acionistas) é respaldado por dados do relatório McKinsey & Company, de 2018[7], segundo o qual as corporações com um conselho administrativo mais diverso tendem a apresentar resultados melhores. O pilar “S” dentro de uma empresa, portanto, vem se tornando campo fértil para litígios se não for considerado um valor importante na agenda ESG. No Brasil, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), com 295 empresas, a representatividade de gênero é de apenas um quarto nos cargos de diretoria (C-Level).[8]
O litígio ESG é mais do que um processo jurídico tradicional, confronta a imagem da empresa e valores da marca, hoje e no futuro, e constitui ações diferentes daquelas que comumente as corporações enfrentam. Como diz Christine Lagarde, que dirigiu o FMI, “eu não estou no negócio de ler folhas de chá, eu não tenho uma bola de cristal”. Por isso, as empresas precisam de uma nova advocacia, mais criativa, preparada e arrojada, que conheça as práticas ESG e os riscos das mudanças climáticas, dos impactos sociais e dos princípios de governança sobre pessoas, empresas e ativos, e seja capaz de propiciar novas soluções a múltiplos conflitos.
[1] Disponível em: https://brazilianexperience.com.br/pegada-de-carbono-no-brasil-e-no-mundo/
[2] Disponível em: https://www.responsible-investor.com/reports/blended-capital-group-or-chasing-the-dragon-the-rise-of-the-esg-law-firm
[3] Disponível em: https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-09-10/harvard-says-its-funds-will-no-longer-invest-in-fossil-fuels
[4] Disponível em: https://www.dechert.com/knowledge/onpoint/2021/8/litigation-and-enforcement-risks-for-corporates-arising-from-enh.html
[6] Disponível em https://www.prt4.mpt.mp.br/procuradorias/prt-porto-alegre/11594-mpt-rs-emite-parecer-sobre-acao-em-face-da-avel-corretora-e-da-xp-investimentos
[7] Disponível em: https://www.mckinsey.com/featured-insights/diversity-and-inclusion
[8] Disponível em: https://www.ibgc.org.br/
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de Pós-Graduação em Direito.
RICARDO FREITAS – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados, doutorando e mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento e professor de Pós-Graduação em Direito.
SANTAMARIA NOGUEIRA SILVEIRA – Jornalista, gerente de conteúdo da LBCA e Doutora em Comunicação Social pela USP.
KRISTIAN LEE – B.Sc. in Economics and Business Administration e Computer Science Student, ambos pela Goethe Universität Frankfurt Am Main, e Working Student em Portfolio Management na Lloyd Fonds AG.