Influências contraditórias geradas pela geopolítica e a adoção de índices globais estão entre os desafios
O cenário de sustentabilidade e responsabilidade corporativa vem se alterando nas últimas décadas e atualmente o ESG (boas práticas ambientais sociais e de governança), considerado um ativo estratégico, enfrenta um risco de fragmentação na sua aplicação, com impactos globais para as corporações e stakeholders (partes interessadas) por inúmeros fatores.
Dentro dos riscos de fragmentação do ESG estão a diversidade regulatória expressa em inúmeros frameworks que se tornam juridicamente vinculativos; dificuldades de adoção de índices globais que permitam comparabilidade; influências contraditórias geradas pela geopolítica e interesses divergentes entre os stakeholders, que podem entrar em conflito com as prioridades e metas ESG das companhias.
Somado a tudo isso, ainda há uma assimetria relativa à conformidade no cenário internacional, pois, enquanto a União Europeia tem atuado para adensar sua taxonomia verde de forma pioneira com impactos concretos sobre os negócios mundiais, nos Estados Unidos, a regulação vem perdendo o tônus e seguindo caminhos diversos dentro de um mercado volátil.
De acordo com a Pesquisa Global de Investidores 2025[1], mais de 60% dos entrevistados (investidores corporativos) comentam a existência de divergência entre o ESG e um possível risco material de governança, exigindo que os conselhos de administração superem essa linha de fragmentação, que pode ser gerada por questões regulatórias e pela possibilidade de abertura de litígios demandados por diferentes atores, sejam comunidades, governos, investidores, etc.
Diante de estruturas regulatórias em reinterpretação, os três eixos do ESG abrem a perspectiva de serem revistados. A incorporação de práticas ambientais, de justiça social e de governança ética nos negócios e requisitos de conformidade fazem parte da transformação das companhias. Mexem com as culturas organizacionais no que tange aos investidores, profissionais e demais públicos, até porque atravessamos um ciclo onde há poucas competências fixas.
Em uma possível revisão do eixo ambiental, é possível detectar que a simples adoção de práticas sustentáveis já não é suficiente. As empresas precisam ir além da compensação de carbono, economia de água e energia e da gestão de resíduos, adotando modelos regenerativos, inovação em economia circular e compromisso real com a mitigação das mudanças climáticas. A pressão por resultados ambientais mensuráveis cresce, exigindo ações mais ousadas e transformadoras.
LEIA MAIS: ESG como vetor estratégico para o futuro corporativo
No campo social, diversidade, equidade e inclusão não podem mais ser tratados como iniciativas isoladas ou simbólicas. Torna-se necessário incorporar esses valores na cultura organizacional, nas políticas internas com os colaboradores, nas relações com as comunidades e demais stakeholders. O papel das empresas como agentes de mudança social nunca foi tão evidente e relevante.
Igualmente, a governança precisa ser revisitada com um olhar mais crítico. Exige não apenas conformidade com normas, mas também uma postura proativa e fluída na gestão de riscos, na transparência de processos e na responsabilidade perante a sociedade. A confiança do público está diretamente ligada à forma como as empresas tomam decisões e prestam contas.
Na cena global, a conformidade na esfera da União Europeia, com vigência da Diretiva de Relatório de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) – que vem tendo influência regulatória sobre grande número de países – exige integração real dos princípios ESG na cultura organizacional. Isso significa repensar processos, treinar lideranças, envolver stakeholders e adotar uma postura proativa na gestão de riscos e oportunidades ligados à sustentabilidade.
Contudo, diante das atuais tensões geopolíticas, a UE lançou o Pacote Omnibus para simplificar as regras de sustentabilidade do bloco. As exigências regulatórias receberam uma espécie de freio de arrumação e só atingirão, por exemplo, empresas com mil empregados (antes eram partir de 250) e negócios superior a € 50 milhões, com vigência ampliada para 2028.
O freio vem sendo mais intenso nos Estados Unidos, onde a régua de desempenho ESG vem sendo puxada para baixo, contribuindo para aumentar o risco de fragmentação a partir de legislações divergentes em cada Estado, exigindo uma sensibilidade corporativa para gerir tantas mudanças. Esse movimento cria um cenário desigual, onde o avanço do ESG se expressa de formas diferentes para os players do mercado.
A Ásia, pelo contrário, adota uma visão mais pragmática do ESG, tendo a China na vanguarda do compromisso de divulgação de padrões de sustentabilidade corporativa, com destaque também para outros países, como Singapura, que criou o Projeto Greenprint, lançado pela autoridade monetária do país e que atua para atrair investimentos focados em sustentabilidade.
Esse modelo de Singapura introduziu o relatório de sustentabilidade obrigatório e contrasta com abordagens menos ideológicas ou polarizadas que as observadas no Ocidente. Em vez de tratar o ESG como um fim em si mesmo, a estratégia é tratá-lo como um meio para impulsionar inovação, competitividade e inclusão econômica.
VEJA TAMBÉM: Convergência entre ESG e ODS ganha força na COP30
Os bons resultados do Greenprint mostram que é possível combinar tecnologia, políticas públicas e pragmatismo para tornar o ESG mais acessível, mensurável e eficaz. À medida que outras economias buscam caminhos para integrar sustentabilidade aos seus modelos de negócios, a experiência de Singapura pode servir como um modelo replicável.[2]
O Japão, por sua vez, tem se comprometido com metas ambiciosas de neutralidade de carbono até 2050, mas enfrenta críticas pela lentidão para atingir a transição para energia limpa e pela dependência contínua de combustíveis fósseis. Há uma lacuna entre o reporte e a ação concreta quando o assunto é ESG no Japão, onde relatórios estão previstos para entrar em vigor a partir desse ano, seguindo padrões internacionais do IFRS S1 e S2, normas de divulgação de sustentabilidade emitidas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB), a exemplo do adotado pelo Brasil.
Além disso, o Japão ainda luta para integrar de forma efetiva os pilares sociais e de governança. Questões como diversidade de gênero nas lideranças corporativas, transparência em conselhos administrativos e proteção dos direitos humanos permanecem como desafios estruturais.[3]
Já a Coreia do Sul, que se inspirou na regulação da União Europeia para moldar suas normas ESG, ainda enfrenta desafios na formulação da regulamentação diante do debate com diferentes atores do mercado que adotam postura divergentes, influenciadas por interesses econômicos, políticos, reputacionais e dificuldades de interação entre os três pilares.
A Coreia adiou a obrigatoriedade de apresentação de relatórios ESG pelas empresas para depois de 2026, mas já implantou as diretrizes K-ESG, a Taxonomia Verde Coreana, regulações contra o greenwashing e títulos verdes. Construiu sua conformidade estruturada em divulgações de governança, relatórios ambientais e transparência de riscos climáticos, tendo como órgão autorregulador o ESG Evaluation Agency Council.[4]
Diante do atual cenário do ESG, cabe a lição de um dos maiores e mais premiados animadores do cinema internacional, Hayao Miyazaki: “A criação de um mundo único vem de um grande número de fragmentos e caos”.
Este pode ser o caminho a ser trilhado pelo ESG em todo o mundo, ao demonstrar que a fragmentação da conformidade em diferentes países pode apontar um caminho comum, ao aproximar diferentes taxonomias e estruturas divergentes de reportes; abrir possibilidades de cocriações; de cadeias de valor compromissadas com a sustentabilidade; redução da volatilidade das expectativas de stakeholders e ampliação da possibilidade de requisitos ESG mais próximos de um padrão universal.