É possível identificar que uma empresa está atenta a agenda ESG (práticas ambientais, sociais e de governança corporativa) quando esta entende que os salários dos colaboradores podem atuar como uma forma de acesso a qualidade de vida e aos direitos fundamentais, olhando para mais do que apenas a remuneração para os trabalhos que realiza.
Dessa forma, as instituições e organizações têm se juntado para evoluir nesta pauta e estabelecer salários mais dignos para os trabalhadores do país. Pensando nisso, a empresa de chocolates Dengo decidiu realizar no dia 4 de julho um evento especialmente para o assunto.
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A instituição paga atualmente aproximadamente 90% a mais para aqueles que produzem o cacau do que outras empresas do mercado. Dessa forma, 38% dos produtores possuem uma renda condizente com o trabalho que realizam.
A pretensão da empresa é atingir a taxa de 75% para produtores com salários maiores, até o ano de 2025. Também buscam chegar a 100% até 2030. Segundo o cofundador e co-CEO da Dengo Chocolates, Estevan Sartorelli, “queremos proporcionar a renda adequada para o indivíduo e sua família. Não existe sociedade pujante se os negócios não estiverem ligados aos direitos humanos“.
Para entender o valor de um salário digno é preciso analisar quanto as pessoas de certa cidade ou região precisam para viver bem, ou seja, para conseguir se alimentar e fazer todas as refeições, ter acesso a saúde, educação, transporte, saneamento básico e demais indispensabilidades.
Sendo assim, atua de forma oposta ao entendimento do salário-mínimo que oferece poucas oportunidades e condições menores. Através de um salário digno os colaboradores tendem a se tornarem profissionais mais qualificados levando a equipes mais qualificadas e que demonstram mais engajamento.
De acordo com a gerente de sustentabilidade e direitos humanos na Natura &Co, Marina Leal, “entendemos que a renda é nosso impacto mais material quando comparado aos outros temas como carbono e água“. A empresa de cosméticos Natura &Co segue o mesmo pensamento e recentemente cerca de 54% das 4 milhões de consultoras possuem um salário digno por hora.
Leal pontua que a empresa criou um “indicador com métricas de produtividade, horas de trabalho dedicadas, entre outras. Acompanhamos os resultados no comitê executivo e temos meta de melhoria de renda, pois um negócio não prospera em ambiente de desigualdade”.
Para levar outras empresas a seguirem o mesmo caminho, o Pacto Global da ONU do Brasil criou o Movimento Salário Digno, há um ano. A ideia foi montada tendo como base quatro pilares: oferecimento da construção de capacidades, engajamento da alta liderança, engajamento de stakeholders e monitoramento e divulgação de boas práticas.
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A gerente de direitos humanos do Pacto Global da ONU, Tayná Leite, revela que “há um pensamento coletivo de que a qualidade de vida não é para todas as pessoas, e isto precisa mudar. Não podemos aceitar que poucas pessoas se beneficiem tanto do trabalho de outras“.
O Pacto realiza a coleta dos indicadores das empresas que decidem seguir o Movimento Salário Digno, e até aqui, a grande mudança entre o salário alto e o baixo é de 519%.
“Considerar a disparidade também é fundamental para a transformação cultural que o setor privado pode ter”, destaca Leite.
Desafios para atingir este objetivo
Na visão de Aguinaldo Maciente, especialista em Políticas de Emprego e Mercado de Trabalho na Organização Internacional do Trabalho, o Brasil está entre um dos piores quando se trata de mobilidade social.
Ele ainda pontua que os “estudos apontam que os pobres levam até nove gerações para alcançar novas classes sociais. Isto ocorre por práticas como grandes prêmios salariais para quem tem melhor educação, e desigualdades estruturais“.
Quando é incluído o fator gênero e raça na discussão o desafio se torna ainda maior. Nana Lima, co-fundadora da Think Eva, destaca que o “país funciona a partir de uma economia do cuidado que coloca as mulheres numa posição de subsídio para a sociedade funcionar, mesmo que não haja remuneração para trabalhos.”
Ela reforça que “em 2020, por exemplo, descobrimos que metade das mulheres no Brasil tinha que cuidar de alguém na pandemia da covid-19, e isto sem deixar seus empregos e alta performance”.
A co-fundadora ainda atesta que os colaboradores com menor remuneração são as mulheres negras. Lima reforça que “as funções de empregadas domésticas, por exemplo, são majoritariamente das mulheres negras, o que não nos permite falar de renda digna ignorando a equidade racial e de gênero”.
Programas disponíveis
As empresas podem seguir o Movimento do Pacto Global da ONU assim como outros programas como o criado pelo Sistema B, Trê Investimentos e Instituto Capitalismo Consciente, que ajuda as instituições que possuem de 10 a 200 colaboradores a ampliarem sua atuação e a melhorarem os salários da equipe.
Essa iniciativa deve ser lançada no segundo semestre de 2023 e terá ações para inspiração, jornadas de conteúdo, auxílio à gestão e introdução a novos mercados para que a empresa caminhe para ter melhores resultados e uma gestão adequada. A inscrição para esta etapa inicial ocorre até o dia 15 de julho através do site.
Não é a primeira vez que as instituições se reúnem para desenvolver algo novo, sendo que, dessa vez, também obtiveram o apoio da Din4mo. Anteriormente haviam criado o programa CoVida20, direcionado para proteção da renda e trabalho (através de financiamentos para empresas) dos indivíduos com negócios que impactam o socioambiental e cultural.
Com o programa foi possível salvar 700 empregos e ajudar 47 negócios, através do investimento de 400 investidores.
De acordo com Rodrigo Gaspar, diretor de novos negócios do Sistema B, “um salário digno é um direito humano e não significa o mesmo que um salário mínimo, apesar de terem objetivos semelhantes. Ele permite que a pessoa sustente um padrão de vida digno para si mesma e para sua família. Em cada país, este valor é diferente e deve considerar a realidade local.”
Ele ainda evidencia que ao “olharmos para as empresas como atores capazes de fornecer condições dignas para seus trabalhadores é um ponto de virada da Economia do Século XX, dando ainda mais um protagonismo regenerativo para elas e possibilitando a diminuição do enorme abismo de desigualdade social que temos no Brasil.”
Já para a CEO do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Daniela Garcia, “as empresas que prosperam e são lucrativas precisam cuidar das suas pessoas e mais do que isso, elas precisam buscar pagar salários dignos e gerar cada vez mais impacto socioambiental positivo”.
Conversar com as instituições que estão passando por desafios para crescer mas que, no entanto, buscam colocar em prática a agenda sustentável é importante para a divulgação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Fonte: Exame
Autor(a): Marina Filippe