Relatórios ESG 2024: o que as empresas devem destacar?

Relatórios ESG 2024: o que as empresas devem destacar?
O relatório ESG é um canal para compartilhar os valores da companhia e práticas e uma oportunidade de ampliar a comunicação da empresa.

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Já começaram a chegar ao mercado os Relatórios ESG 2024 de algumas das principais companhias brasileiras e internacionais, reportando publicamente seus esforços e resultados sustentáveis através de riscos e oportunidades dos pilares ambientais, sociais e de governança e respectivos impactos na vida das pessoas e no planeta. A transparência dos dados é um pressuposto fundamental dentro do contexto de transformação do ambiente de negócios, do aumento da regulação e da crescente permeabilidade do olhar dos stakeholders ou partes interessadas de uma empresa.

Os relatórios ESG também são uma oportunidade de ampliar a comunicação da empresa. É uma narrativa importante em torno de parte vital da história da organização, trazendo o foco para os  seus compromissos e estratégias de sustentabilidade. Constitui, em suma,  um canal para  compartilhar os valores da companhia, ambições, processos, práticas, desempenho e reconhecimentos – e como tudo isso tem contribuído para refletir nos avanços sustentáveis  observando o cuidado de não resvalar no greenwashing, ou seja, afirmações falsas ou enganosas sobre o impacto positivo que seus produtos ou serviços teriam no meio ambiente. O greenwashing é um embuste a ser evitado porque implica em grande risco reputacional. 

Com grande potencial positivo para a empresa, os Relatórios ESG conseguem  atrair novos investidores, que podem tomar decisões mais balizadas em cima de dados consolidados; ajudam a demonstrar o quanto a empresa está preparada para a complexidade e mudanças do clima e do mercado; permite reunir diferentes informações em um só documento; ampliam as relações com as partes interessadas e contribuem para alicerçar a confiança com parceiros negociais e clientes. 

A despeito da importância que os Relatórios ESG passaram a ter, não há normas mundiais padronizadas para estes reportes, apresentando grande variação nas estruturas adotadas. As empresas, portanto, podem optar por diferentes frameworks, de fácil acesso, como da Iniciativa Global de Relatórios (GRI), International Sustainability Standards Board (IFRS), Task Force on Climate-Related Disclosures (TCFD), Protocolo GHG, dentre outros.

A maioria dos Relatórios ESG publicados ainda são voluntários, inclusive no Brasil, embora as informações devam ser efetivamente precisas e confiáveis sobre os esforços da companhia para atingir suas metas ESG, lembrando que a conformidade vem se expandido. Uma exceção de obrigatoriedade decorre do conjunto de 12 normas para Relatórios de Sustentabilidade adotado pela Comissão Europeia para que as empresas da UE reportem impactos, oportunidades e riscos de suas atividades frente à sustentabilidade, de acordo com a Diretiva de Relatórios Sustentáveis Corporativos (CSRD).

As normas permitem que as informações sejam comparáveis e reduz a lacuna de responsabilização das métricas diferenciadas. O modelo do relatório europeu incluí dados sobre Meio Ambiente (alterações climáticas, poluição, recursos hídricos e marinhos, biodiversidade ecossistema, recursos, economia circular);  Social (força de trabalho, trabalhadores da cadeia de valor, comunidades afetadas, clientes e usuários finais) e Governança (conduta empresarial). A implantação será escalonada de 2025 até 2029, quando incluirá empresas subsidiárias fora da União Europeia.

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Todo Relatório ESG começa com a coleta de dados da companhia, que deve envolver o emprego de métricas relevantes e dados precisos, alinhados às metas e objetivos definidos, dados quantificáveis, com viés científico, evitam declarações vagas e fundamentam a comunicação corporativa e seu compromisso com práticas empresariais responsáveis. Vale lembrar que os dados devem revelar informações fáceis de compreender, comparáveis e verificáveis.

A definição das estratégias ESG está diretamente relacionada a uma Matriz de Materialidade, cujo centro é ocupado pelos stakeholders (investidores, clientes, funcionários, fornecedores, parceiros, comunidades, agências reguladoras etc.) que precisam ser mapeados e compor uma amostra, considerando o nível de influência e envolvimento de cada um destes grupos. O termo da Matriz de Materialidade foi emprestado da contabilidade e surgiu no universo ESG em 2006, dentro das diretrizes da Global Reporting Initiative (GRSI). Trata dos temas materiais ou de informação relevante, com potencial de influenciar a tomada de decisão de stakeholders no âmbito organizacional.

Quanto mais diversas forem as diferenças de gênero, etnia, religiosa, etária, de origem econômica, orientação sexual etc. dos grupos de stakeholders, mais robusta será a Matriz de Materialidade ESG, montada a partir de questionários ou entrevistas com as partes interessadas, que ajudam a identificar e priorizar temas que a corporação elegeu como prioritárias.

Nesse processo, é importante incentivar as partes interessadas a compartilhar suas percepções, suas demandas e expressar suas opiniões e insights. Um negócio se torna mais rico à medida que permite que sejam agregados à sua experiência negocial diferentes pontos de vista, trazendo contribuições valiosas para sustentar os compromissos da empresa alinhados às metas ESG, identificando oportunidades, tomadas de decisões eficazes, criação de valor e consolidação de mudanças de longo prazo.

Dependendo da dimensão da empresa, o ideal é não tentar “abraçar o mundo” dentro do Relatório ESG, mas optar por dar mais ênfase a um pilar específico dentro de sua Matriz de Materialidade, como por exemplo o tópico de mobilidade, no qual promoveu uma campanha para os funcionários da empresa utilizarem bicicleta ou transporte público para irem ao trabalho e contribuírem para reduzir as emissões de CO2. O ESG é um letramento negocial que deve ser assimilado de acordo com temáticas priorizadas, compromissos assumidos e metas definidas, que podem variar em volume e importância. Dessa forma, temos relatórios com 20 páginas e relatórios com 200.

As mensagens iniciais dos relatórios, assinadas pelo presidentes, VPs, CEOs, CFOs  ou outro membro do C-level, podem buscar apresentar a origem do engajamento ESG e seus desdobramentos e traduzir as informações qualitativas sobre como vem sendo o progresso da empresa relativo a cada objetivo contido dos pilares E, S, G, sem esquecer de citar os desafios futuros de como evoluir mais rapidamente para alcançar impactos mais positivos em suas práticas e beneficiar  mais pessoas e o planeta. E, se for o caso, detalhar algum erro superado e as lições que deixou para a corporação. 

No âmbito dos compromissos estabelecidos nos três pilares ESG, os tópicos mais recorrentes no Ambiental são as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e metas para redução dos Escopos 1, 2, e 3; medidas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas; adesão ao Pacto Global da ONU e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), como a empresa economiza energia e prioriza energias limpas, como reutiliza a água em seus processos, como contribui com a manutenção da biodiversidade, adesão à economia circular, reduzindo o uso de matéria-prima, promovendo o correto de resíduos sólidos e incorporação da logística reversa.

No pilar social, os temas envolvem a questão da força de trabalho, bem-estar , segurança e saúde do trabalhador, salário justo, combate ao trabalho infantil e similar à escravidão, ampliação da ascensão de mulheres, negros, deficientes e LGBTs em cargos de liderança, combate ao assédio sexual e moral, privacidade e proteção de dados, incentivos à Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), cadeia de valor, iniciativas sociais com as comunidades em que está inserida, incentivo e treinamento de parceiros negociais.

No pilar governança, a ênfase recai sobre a diversidade do conselho da administração, com inclusão de mais profissionais mulheres e de outros marcadores sociais; critérios éticos da governança, conduta transparente na condução dos negócios, compromisso com a conformidade e o Estado de Direito, ambiente de investimento sustentável, Códigos de Conduta e uma cultura de sustentabilidade consolidada na organização.

As estruturas dos Relatórios ESG, porém, não são engessadas e sempre há lugar para a criatividade, como a registrada no relatório do laboratório AstraZeneca 2024, que abriu espaço para a escuta de seus novos talentos, incluindo a brasileira Talita Gobbi, líder de políticas públicas da empresa, que falou sobre as desigualdades na área da saúde que as pessoas enfrentam no Brasil: “Aqui no Brasil, os desafios do sistema de saúde refletem os desafios da nossa sociedade como um todo. O rastreio e o diagnóstico precoce não são uma realidade para muitos – especialmente para aqueles que vivem nas áreas mais vulneráveis. As alterações climáticas realçam ainda mais estes desafios. Construir cuidados de saúde mais resilientes e sustentáveis ​​significa criar um sistema de saúde mais equitativo”.

Embora a variação das estruturas mudem, é importante ressaltar que os Relatórios ESG são um compromisso público firmado pelas corporações. Quando as metas não são cumpridas, podem levar a um desgaste da reputação corporativa e até a ações judiciais, como aconteceu no Brasil, por parte de atores que se julgaram prejudicados em seus direitos.

Os relatórios ESG constituem, em suma, uma jornada corporativa fundamental. E como ensina o escritor José Saramago: “A viagem não acaba nunca. Só os viajantes acabam (…) O fim de uma viagem é apenas o começo de outra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu de noite, com o sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para repetir e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre”.


RICARDO FREITAS SILVEIRA – Sócio-head da Lee, Brock, Camargo Advogados, doutorando no IDP (Instituto Brasileiro de Ensino), mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo IDP e especialista em Negócios Sustentáveis pela Cambridge University
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Doutorando em Direito Internacional Privado pela USP, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito