O ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) segue em rápida evolução em todo o mundo corporativo, tornando-se peça-chave para mensurar a sustentabilidade de uma companhia e seu negócio. Ao lado de sua consolidação, vem crescendo as ondas de regulamentações, que incluem desde normas instituídas por agências reguladoras até legislações abrangentes, que marcam uma nova era nos relatórios sobre divulgação de dados ESG.
Há uma exigência em torno da gestão de riscos ambientais, sociais e de governança, porque agora os investidores querem saber o quanto custa para a empresa seus impactos, como poluir um rio, utilizar mão de obra análoga à escravidão ou ter um conselho administrativo sem diversidade.
No Brasil, a partir deste ano, as empresas de capital aberto listadas na B3 podem voluntariamente reportar suas informações financeiras relacionadas à sustentabilidade. O relatório de risco ESG para as companhias abertas se tornará obrigatório somente a partir de 2026. O ideal da antecipação é permitir ajustes quanto à adoção dos requisitos, conforme a Resolução 193/2023 da CVM, que adotou as métricas do International Sustainability Standards Board (ISSB).
O Brasil é pioneiro na adesão às regras internacionais em sua agenda sustentável visando que as empresas reportem suas práticas ambientais, sociais e de governança em sintonia com o movimento global regulatório. Na apresentação do Plano de Ação sobre Finanças Sustentáveis 2023/2024, a CVM explicita a busca por uma economia descarbonizada: “O cuidado com a pauta de sustentabilidade e a responsabilidade em relação às mudanças climáticas se tornaram mais urgentes e fizeram com que esse tema deixasse de ser simplesmente algo socialmente desejável e recebesse atenção que transformasse o assunto”.
A exemplo do Brasil, Japão, Singapura, Indonésia e Hong Kong fomentam projetos de normatização ESG alinhados aos dispositivos do ISSB, além de sofrer paralelamente influência da rigorosa legislação europeia. A Coreia do Sul, outro importante player asiático, comunicou que adiará as regras obrigatórias para divulgação ESG, embora os relatórios de sustentabilidade voluntários já sejam publicizados. A decisão do adiamento levou em conta o peso dos ônus que tal divulgação imporia às empresas coreanas. Além disso, Seul também debate a Lei de Promoção da Gestão Ambiental, Social e de Governança (gestão ESG) em tramitação na Assembleia Nacional daquele país.
A China, por sua vez, divulgou em 2022 as diretrizes oficiais padronizadas para os relatórios voluntários de emissões destinados a empresas estatais e privadas, com ênfase nos grandes poluidores e empresas de capital aberto. Neste ano, dá um passo adiante e diminui o descompasso de transparência referente ao ESG em relação à Europa e os Estados Unidos.
As empresas chinesas listadas nas Bolsas de Valores de Xangai, Shenzhen e Pequim, as principais, passarão a divulgar relatórios de sustentabilidade a partir de 2026, com dados sobre os três pilares ESG, abrangendo diferentes categorias, como alterações climáticas, biodiversidade, energia, economia circular, cadeia de abastecimento, governança etc.
A medida, por enquanto, atinge 450 empresas da China continental, mas tem grande importância em decorrência do papel das empresas chinesas na cadeia de abastecimento das principais companhias do mundo, e por assumir um novo compromisso de mais transparência e alinhamento com a padronização da divulgação corporativa sobre informações ESG.
Este descompasso normativo em torno da sustentabilidade consolidou um entrave para as empresas de todo o mundo que possuem cadeia de abastecimento com fornecedores chineses e a necessidade de estarem em conformidade com a legislação de seus países.
Neste ritmo crescente de normatizações, o Relatório ESG de 2024 da S-RM, consultoria global, aponta preocupação com o tema, juntamente com o fator Social, o menos regulamentado. Segundo a pesquisa, 84% das empresas europeias afirmam não estarem totalmente preparadas para a carga de regulamentação ESG da União Europeia. Na análise, também surge o dado de que o ESG era pouco regulamentado por conta das questões díspares envolvidas (ambientais, sociais e de governança), mas que isso vem mudando nos últimos cinco anos, com a consolidação de um quadro regulamentar mais consistente.
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Ainda perdura o suspense mantido pela Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de valor mobiliário dos Estados Unidos, sobre as novas regras de divulgação climática para empresas listadas em Bolsas, que terminaria em abril. Pelo novo projeto norte-americano, as empresas deverão divulgar suas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e outros requisitos a partir de 2026. Devem incluir em seus relatórios as emissões de Escopo 3, que não são controladas diretamente pelas companhias, porque abarcam as cadeias de fornecimento de suprimentos, transportes, descarte de resíduos etc., o que torna o relatório extremamente complexo.
Outro ponto dos novos requisitos da SEC é o chamado Regulamento SX, uma espécie de nota de rodapé dos relatórios, que será acrescida ou alterada, levando em conta a crise climática. A SEC também prepara regras para divulgação adicional de investimentos ESG, observando a gestão do capital humano e diversidade no Conselho Administrativo das companhias.
Pela agenda regulatória do governo norte-americano, a SEC teria de divulgar suas regras climáticas para as empresas reportarem os riscos de suas operações no ambiente no primeiro quadrimestre deste ano. Atribuiu-se o atraso à oposição republicana e à Câmara de Comércio dos EUA, que prometeu mover um processo contra o órgão. Em suma, quanto mais próximo das eleições presidenciais deste ano, mais sensível se torna a aprovação das novas normas, principalmente porque se discute se a SEC tem legitimidade para impor este tipo de regramento, uma vez que não tem papel de reguladora climática. Além da SEC, o Departamento do Tesouro e a Comissão Federal de Comércio dos EUA trabalham para finalizar novas regras climáticas para as corporações.
Não é apenas a SEC que tem de administrar divergências internas, o Parlamento Europeu teve de superar ameaças de parlamentares da extrema direita negacionista para aprovar em abril um conjunto de regulamentos ambientais. Um dos textos aprovados, de grande relevância, foi a Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), que passou pelo plenário com alterações, depois de resistências iniciais da Alemanha e da Itália, sendo que os alemães são responsáveis por 25% das emissões de CO2 da União Europeia.
A CSDDD define requisitos para responsabilizar as grandes empresas europeias no sentido de gerenciarem os impactos ambientais e de direitos humanos dentro de suas operações ao longo de toda sua cadeia de valor, abrangendo todo o espectro ESG. Essa “rede” tem longo alcance porque atinge as empresas europeias de menor porte e empresas fora da UE, uma vez que integram a cadeia de fornecimento das grandes companhias e terão também de estar em conformidade com a Diretiva CSDDD. Quem não cumprir o regramento sofrerá sanções e potenciais vítimas podem acionar as empresas por danos.
Na aprovação do Parlamento Europeu, alguns dispositivos foram modificados e outros removidos da versão original, como aquele que obrigava as empresas a promover planos de transição climática. Inicialmente, o CSDDD seria aplicado a empresas com pelo menos 500 trabalhadores e receitas acima de € 150 milhões. Na revisão, passa a atingir empresas com 1.000 trabalhadores e receita de € 450 milhões. Foi um corte estimado em 2/3 do universo de companhias europeias que seriam atingidas. O cronograma para implementar a nova regra também mudou, sendo que as maiores empresas (com 5.000 trabalhadores e € 1,5 milhão de receitas) serão as primeiras a implantar a Diretiva até 2027. Ainda falta a aprovação formal do Conselho da UE, em maio.
Diante desse cenário de crescentes normatizações e complexidades em torno da divulgação de informações ESG, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de orientação especializada para auxiliar empresas e órgãos públicos na jornada de adequação a esses novos requisitos. A expertise em analisar essas regulamentações, interpretá-las de acordo com o contexto de cada organização e desenvolver estratégias personalizadas de reporte se mostra fundamental. Estar em conformidade não é apenas uma obrigação legal, mas também uma oportunidade de demonstrar compromisso com a transparência e a sustentabilidade aos seus stakeholders.
A construção de uma abordagem ESG consistente e eficaz requer uma compreensão profunda não apenas dos requisitos normativos, mas também das melhores práticas e tendências do mercado. É preciso traduzir esses aspectos em ações tangíveis, mensuráveis e alinhadas aos objetivos estratégicos de cada empresa.
O importante é que essa nova era de divulgação das informações sobre riscos e impactos ambientais, sociais e de governança nas corporações seja acompanhada de um plano de transição compatível com a cultura, política e metas das empresas e de uma mensagem transparente, sintética, compreensível e fiel aos dados corporativos, que se comunique com todas as partes interessadas (stakeholders). Portanto, é fundamental levar em consideração a lição minimalista e sensível do escritor Guimarães Rosa: “A gente cresce, sem saber para onde”.
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Doutorando em Direito Internacional Privado pela USP, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito
PATRICIA BLUMBERG – Diretora de ESG da Lee, Brock, Camargo Advogados e Master em Digital Communication pela Westminster Kingsway College London