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Lei que autoriza venda de créditos de carbono em concessões florestais é sancionada

Lei que autoriza venda de créditos de carbono em concessões florestais é sancionada
O presidente sancionou a lei nº 14.590, que altera três outras leis, e libera a comercialização de crédito de carbono em áreas de concessões florestais.

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) sancionou, com veto, a lei nº 14.590, que altera três outras leis, e libera a comercialização de crédito de carbono em áreas de concessões florestais. Para advogados ouvidos pelo Prática ESG, o movimento é um passo inicial para o Brasil seguir em seu plano de redução de emissões de gases de efeito estufa, o chamado NDC ou Contribuição Nacionalmente Determinada, acordado no âmbito do Acordo de Paris, mas também alavanca o mercado de compensação de emissões.

O texto veio com um veto no trecho que definia reservas legais como “áreas averbadas em matrícula com objetivo de manutenção de estoque de madeira, designadas como planos técnicos de condução e manejo”. O governo seguiu o argumento defendido pelo Ministério do Meio Ambiente, que defende que esse trecho poderia afrouxar a legislação de proteção sobre reservas legais dessas áreas, o que representaria um “retrocesso ambiental”.

Para Bryan Lopes, sócio do escritório Lee, Brock e Camargo Advogados (LBCA), a lei é positiva para o mercado de carbono local, pois estimula o mercado de compra de créditos de carbono de iniciativas “verdes” por parte de empresas que querem neutralizar suas emissões de gases poluentes.

“O Brasil precisava que a lei 14.590/23 (lei do mercado de carbono) fosse sancionada. Esse foi um importante passo para fomentar o processo disruptivo necessário à essa transição”, diz Lopes.

Ele adiciona que é “de suma importância” que o Brasil inicie a transição para uma economia baseada na baixa emissão de carbono, não apenas pelas razões ambientais urgentes, “mas também pela insustentabilidade do atual modelo econômico e sua grande dependência de combustíveis fósseis, que é um dos principais causadores do efeito estufa”.

Daniela Stump, sócia responsável por ESG em DC Associados, comenta com o Prática ESG que as alterações sancionadas eram aguardadas pelo setor privado.

“Elas fomentam a bioeconomia, destravando fluxo financeiro para restauração florestal e proteção ambiental mais efetiva em florestas públicas e UCs (unidades de conservação), com a possibilidade de comercialização de créditos de carbono”, diz.

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Para ela, o ponto mais importante é a transferência de titularidade dos créditos de carbono do poder concedente para o concessionário de florestas públicas e direito de comercializá-los conforme regulamento a ser editado. “É uma fonte de renda muitas vezes decisiva para viabilizar restauração e proteção da floresta”, reitera Stump.

O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luan Santos, especialista em mercado de crédito de carbono, explica que, na prática, essa lei muda as regras da lei que diz respeito às florestas públicas por meio de concessão, e passa a permitir que essas áreas sejam exploradas por outras atividades que não a madeireira, como, por exemplo, a comercialização de créditos de carbono provenientes da preservação de floresta nativa e restauração de área desmatada, além de permitir a outorga de direito à acesso a patrimônio genético para fins de pesquisa e desenvolvimento e também sobre exploração de serviços pesqueiros e a pauta silvestre.

“No fundo, isso acaba, de alguma maneira, incentivando a conservação da Amazônia e a manutenção da floresta em pé via projetos de geração de créditos de carbono para o mercado voluntário”, pontua Santos. “Além disso, para o Brasil é uma grande oportunidade porque o país se coloca como possível ofertante desses créditos de carbono para o mercado global, que pode comprar os créditos e alcançar metas de emissões de efeito estufa e suas respectivas NDCs.”

As NDCs que ele se refere são as chamadas de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês). Cada país signatário do Acordo de Paris estabeleceu metas de redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE).

A NDC brasileira revisada no ano passado estabelece que o Brasil deve reduzir as suas emissões em 37% até 2025 e 50% até 2030, em relação às emissões de 2005. A expectativa é que o tema das emissões e do mercado de carbono internacional – o artigo sexto do Acordo de Paris – seja alvo de discussões na conferência do clima (COP 28), que ocorrerá em novembro deste ano nos Emirados Árabes.

Em entrevista ao Prática ESG, Ludovino Lopes, advogado especializado em Direito Europeu, explica que a lei é uma oportunidade importante para o governo conseguir seguir com seu plano de descarbonização. “Terras públicas são fundamentais para o cumprimento das NDCs, ainda mais porque boa parte do desmatamento que contabiilza para o inventário de emissões do país acontece em terras públicas”, diz.

Mas ele reitera que é preciso um estudo para calibrar o quanto dessa concessão poderá gerar crédito de carbono para o mercado voluntário e, mais importante, qual a metodologia que será usada para verificar que há possibilidade de geração de crédito. “A pergunta que fica é se o governo usaria metodologias já usadas hoje, mas que não são reguladas por um organismo como a ONU, por exemplo, e que poderiam estar sujeitas a questionamentos”, comenta Ludovino.

Ele destaca que há uma distinção entre mercado voluntário de carbono e mercado regulado que precisa ser explicada. No caso do mercado regulado, não há créditos de carbono, mas sim permissões para emitir. O modelo mais usado hoje em outros países é o que setores têm tetos individuais de poluição, que é distribuído pelas empresas daquele setor. Quem ultrapassa seu limite, pode compensar comprando espécie de créditos de outras empresas, que funcionam mais como uma “licença para poluir”.

“O avanço do governo com relação ao mercado voluntário pode puxar emissões sobre mercado regulado no Brasil. Ou seja, traz oportunidades para avançar no mercado voluntário e regulado também”, diz Luan Santos, da UFRJ.

Santos lembra, porém, que é preciso organizar as propostas de lei que estão em tramitação para constituir o mercado regulado de carbono. como a PL 528 de 2021 e a PL 290 de 2020. Hoje, no Brasil, só existe o mercado voluntário de carbono, em que empresas e governos podem voluntariamente comprar créditos gerados pela redução das emissões via prevenção contra o desmatamento ou captura de carbono, projetos que hoje são certificados por entidades internacionais como a Verra.

Esses projetos em tramitação no Congresso, por outro lado, visam instaurar diretrizes para regular as metas de despoluição do Brasil, determinando teto de emissões para setores e definindo as regras para comercialização de créditos de carbono quando necessário (mecanismo chamado de cap and trade).

“O que se discute no Congresso não é só sobre o mercado de crédito de carbono, mas dispõe de diretrizes para se elaborar planos setoriais de mitigação de mudanças climáticas setoriais, cria as bases do que seria uma discussão mais técnica e qualificada do mercado de carbono”, destaca Santos.

Bryan Lopes, do LBCA, lembra que a governança do mercado de carbono regulado local será um desafio. O ideal, acredita, é que haja uma governança em que o setor privado esteja inserido e seja capaz de definir a quantidade máxima de emissões de gases de efeito estufa junto às entidades reguladas, viabilizando, assim, a permissão para que elas possam fazer a emissão equivalente.

“O ideal é que esse limite não seja definido individualmente por empresa ou por setor, mas sim para um conjunto de entidades reguladas, fixando a quantidade das emissões que devem ser reduzidas em um período específico, que pode ser, por exemplo, por um período de cinco ou dez anos”, comenta Lopes. Dessa forma, cada entidade regulada poderia definir a melhor estratégia para alcançar suas metas, podendo reduzir emissões ou comprar mais ativos compensatórios, como os créditos de carbono que são hoje só negociados no mercado voluntário.

Segundo o estudo da WayCarbon em parceria com a International Chamber of Commerce (ICC Brasil), havendo a regulação correta do mercado de carbono brasileiro, o país teria capacidade de atender de 22,3% a 48,7% da demanda global por créditos do mercado voluntário, que deve chegar entre 1,5 e 2 gigatoneladas de CO2 equivalente no final da década”.

Vale ressaltar que lei sancionada nesta quinta altera três legislações, a Lei nº 11.284, de 2 de março de 2006, que dispõe sobre a gestão de florestas públicas para a produção sustentável; a Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007, que criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, e a Lei nº 12.114, de 9 de dezembro de 2009, que criou o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima.