O ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) já está presente na indústria desportiva em todo o mundo, mas com grande variação. Alguns megaventos têm elevado o impacto de emissões de carbono, enquanto outros são mais sustentáveis.
Como compensar as emissões na Copa do Mundo de Futebol, nos Jogos Olímpicos, no Super Bowl, na Liga dos Campeões, na Fórmula 1 etc.? E as emissões das viagens de e para as cidades anfitriãs dos eventos, os resíduos gerados pelo consumo de alimentos, água, energia? E as demandas de infraestrutura? Todos esses fatores compõem um cadinho de desafios entre o desporto e a sustentabilidade.
Nos esportes modernos vem se consolidando a necessidade de ampliação do compromisso com a transição para emissões de baixo carbono em todo seu ecossistema, portanto o papel de confederações, federações e associações desportivas cresce, porque elas definem muitas das regras para eventos sob sua jurisdição e podem ajudar a obter um impacto ESG mais universalizado e consistente ao longo de toda a cadeia.
Os exemplos surgem de diferentes segmentos do deporto. A FIA (Federação Internacional de Automobilismo), por exemplo, embora movida a motores de combustão, prometeu ser neutra em carbono até 2030. O Super Bowl, evento esportivo com maior audiência nos EUA, aderiu a uma ação climática na final do campeonato deste ano, utilizando energia solar para iluminar o estádio – que consumiu 28 megawatts/hora, equivalente ao consumo de 46 mil casas durante a partida, uma vez que é climatizado e dispôs 2.200 telas para os torcedores acompanharem cada lance. Além da iniciativa, fica a mensagem.
Na mesma linha, o COI (Comitê Olímpico Internacional) afirmou estar afinado com a Agenda 2030 da ONU e realizará a primeira Olimpíada desta nova era – os Jogos Olímpicos de Paris que acontecem neste ano.
De acordo com a pesquisa da Global Sports Survey (2023), realizada com 500 líderes esportivos, a adesão ao ESG no mundo esportivo vem fluindo, tanto que 43 (32,1%) dos entrevistados informaram que suas organizações estão em estágio moderado de adesão ao ESG; 16,6%, em etapa avançada e 11,4% não adotaram qualquer estratégia nesse sentido. A mesma pesquisa aponta que um avanço dos critérios ESG depende de três fatores principais: mudança da cultura interna das entidades desportivas (48,8%), tradução dos fatores ESG em processos diários (44,6%) e financiamento (40,7%).
Os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Paris prometem ser o evento mais sustentável da história das Olimpíadas. O plano de legado e sustentabilidade do megaevento parisiense estipula atingir “compromissos sociais e ambientais exemplares nos JOParis 2024, por um lado, e de contribuição para a sensibilização do desporto para o interesse geral, por outro lado. Os JO de Paris 2024 estão empenhados em um processo exigente de avaliação dos seus resultados e impactos”.
Uma das medidas sustentáveis da Olimpíada de Paris foi a opção por utilizar 95% da infraestrutura existente na capital francesa. As obras novas serão poucas, como o centro aquático de Saint-Denis, que após os Jogos será desmontado e reinstalado em outra área, como um legado. Porém, nesta edição da Olimpíada ocorreu um desvio negativo para o clima: as disputas da competição surf serão no Taiti, com a construção de uma polêmica torre de arbitragem com 14 metros e 12 plataformas de concreto.
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Outros tópicos, porém, ajudarão Paris a reduzir a pegada de carbono durante os Jogos. Na mobilidade, as prioridades serão as ciclovias e transportes públicos, como o metrô, que será gratuito para quem tiver ingresso. Além disso, haverá restrição ao trânsito de veículos no centro da capital francesa.
A questão dos resíduos, responsável por um dos maiores impactos negativos dos grandes eventos esportivos, também foi priorizada. Os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, por exemplo, que tiveram restrições de público presencial porque foram realizados durante a pandemia da Covid-19 em 2021, gerou 2.700 toneladas de resíduos, superada pela Olimpíada do Rio-2016 com 6 milhões de toneladas. Paris quer reduzir sensivelmente a pegada carbono de edições anteriores das Olimpíadas. Estima-se que os Jogos deste ano irão emitir aproximadamente 1,58 milhões de toneladas de CO2.
Para todos os atletas, públicos, voluntários e demais públicos das Olimpíadas serão servidos 13 milhões de refeições. Um em cada dois pratos servidos será vegetariano, portanto com redução de proteína animal, que também vai colaborar para reduzir a pegada de carbono do evento. A ideia também é diminuir a presença de garrafas plásticas, com a instalação de fontes de água potável gratuitas e uso de máquinas de reciclagem de resíduos, que darão brindes aos usuários.
A questão social também está presente nas Olimpíadas deste ano, que gerarão 181 mil empregos temporários e manterão a neutralidade de gênero, estabelecida nos Jogos de Tóquio, que contou com 48,8% de atletas femininas e o incremento de competições de gênero mista. Paris deve ter a maior representação feminina da história, com 50% de atletas mulheres, em sintonia com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS-5 – Igualdade de gênero). A inclusão de gênero também se amplia nos quadros administrativos do COI, que era composto por 1% de mulheres na década de 1990 e atualmente atinge 35% dos cargos.
Se os números das Olimpíadas são gigantescos, com a participação de mais de 10 mil atletas e audiência de 3,05 bilhões de pessoas em todo planeta, a Copa do Mundo de Futebol da Fifa tem magnitude similar. É a milionária indústria do futebol, que movimenta US$ 250 bilhões/ano. A consultoria Brand Finance elaborou o primeiro índice de sustentabilidade dos Clubes de Futebol – 2023, utilizando métricas ESG. No topo do ranking está o Liverpool FC, com 86 pontos, numa escala de 0 a 100. O clube inglês realizou mais de 2.000 projetos sociais no ano passado. Em segundo lugar, o Betis Sevilla, que compensa a emissão de carbono com projeto de energia limpa na Costa Rica e, em terceiro, o Real Madrid, que possui campos irrigados por água reutilizada. Na sequência, estão Udinese, Stade de Reims, Racing Club de Lens, Real Sociedad, Milan, Freiburg e Nottingham Forest.
Os times brasileiros possuem igualmente ações isoladas de sustentabilidade. O Goiás faz uso de energia solar para atender às demandas de energia, o Coritiba aboliu o uso de plástico em seu estádio e o Internacional possui certificado de gestão de resíduos. A adesão dos clubes de futebol à sustentabilidade é muito variável, pontuando exemplos isolados. Não são apenas os megaeventos desportivos que emitem taxas elevadas de carbono, uma arena pode emitir mais de 10 toneladas de CO2, afinal os clubes mobilizam milhares de torcedores a cada jogo e quando eles chegam ou deixam os estádios com seus veículos há picos de poluição do ar.
No pilar social, o tema do racismo é um dos mais recorrentes nos campos de futebol e as organizações não têm conseguido dar uma resposta efetiva contra os racistas, sejam eles jogadores, torcedores, técnicos, dirigentes de futebol etc. O caso de maior repercussão atualmente tem como alvo o jogador Vinicius Júnior, do Real Madrid, que, de forma insubmissa, vem denunciando torcedores por ataques racistas dentro dos estádios. O episódio de racismo contra Vini Jr. no jogo entre o Real e o Valencia teve tanta repercussão mundial que levou a liga espanhola a criar um canal de denúncia para combater o racismo.
Na abordagem ESG, os desportos não atingiram ainda o ritmo esperado, tanto que apenas 0,1% da indústria desportiva aderiu à iniciativa da ONU – Desporto para a Ação Climática. Pelo seu potencial econômico, pelos benefícios à saúde, integração social, fair play e engajamento do público, o desporto poderia estar mais à frente no rumo à neutralidade climática, uma meta mundial para 2050.
Este desafio, contudo, tem nos Jogos Olímpicos um modelo inovador a cada edição, uma vez que pela sua dimensão podem ser considerados uma plataforma mundial de possíveis soluções de como os diferentes esportes podem vir a ser sustentáveis. Artigo publicado pela Nature Sustainability avaliou a sustentabilidade da perspectiva ambiental, social e econômica de 16 Jogos Olímpicos, a partir de 1992, quando passaram a ter mais impacto devido a patrocínios e transmissões, e constatou que a despeito dos céticos, os Jogos Olímpicos alcançaram boas pontuações de sustentabilidade, com possibilidade de influenciar e inspirar um futuro sustentável para o desporto em geral.
Na análise, “os Jogos Olímpicos entre 1992 e 2020 apresentam um nível de sustentabilidade médio. Salt Lake City 2002 e Albertville [França] 1992 obtiveram os melhores resultados [dimensão ambiental] (…) e “os Jogos Olímpicos de Inverno em Sochi, em 2014, e os Jogos Olímpicos de Verão no Rio de Janeiro, em 2016, apresentam as pontuações de sustentabilidade mais baixas”. O estudo ainda chama a atenção para a importância da governança e da criação de um organismo independente para desenvolver, monitorar e aplicar normas para ajudar os desportos a alavancar a sustentabilidade.
YUN KI LEE – Sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados. Doutorando em Direito Internacional Privado pela USP, mestre em Direito Econômico pela PUC-SP e professor de pós-graduação em Direito